Por Carlos Galdino:
O jornalista Robson Luquési em entrevista a Carlos Galdino da Rádio Comunitária Cantareira e Expresso Periférico ,fala da atuação da mídia brasileira durante a pandemia do novo Coronavírus e sobre o comportamento da imprensa frente aos desrespeitos cometidos por parte do presidente da república.
Carlos Galdino: Porque apesar dos malefícios do monopólio das comunicações no Brasil nao conseguimos aprovar um novo marco regulatório a fim de democratizar o acesso e a gestão dos veículos de comunicação,permitindo que todas as parcelas da sociedade possam ser representadas no que diz respeito a terem voz e lugar de fala em todos os modais da cadeia de imprensa? imprensa Robson Luquési: Justamente por isto: a democratização dos veículos significa reorganizar, reestruturar as formas de concessão, de como elas podem e dever ser usadas, estabelecer novas funções aos veículos, com novos deveres quanto às suas responsabilidades e, especialmente, buscar o compartilhamento do poder.
Essa é a questão.
Muitas das nossas e nossos parlamentares são donas ou têm ligações estreitas com veículos de comunicação que servem, fundamentalmente, para sua interminável vida de eleições e reeleições. Elas não querem, e não vão, dividir esse pão. Aí está incluído o Executivo e Judiciário que têm seus interesses de perpetuação de exercício de poder e influência. É a chamada elite praticando o que mais gosta: poder.
Para quebrar esse vício é somente com a pressão da sociedade civil organizada, ligada ou não a partidos políticos, mas que sempre acaba desaguando no campo político-partidário, porque é lá que os embates democráticos acontecem, ou deveriam acontecer. Senão é ditadura, pura e simples.
Carlos Galdino: Como você avalia o trabalho da imprensa brasileira na cobertura da pandemia do Covid19? Houve parcialidade?
Robson Luquési: A mídia grande, que é aquela que tem tamanho, mas não tem grandeza, há muito tempo não faz jornalismo. Apenas trata os assuntos que interessam ao conjunto dos proprietários dos veículos embolorados de comunicação. Tornou-se um balcão de negócios, de venda de produtos emoldurados por algumas “informações” que acham ser relevantes para a população.
Já os veículos independentes sempre sofreram com sua sustentação financeira, da mesma forma que a mídia grande necessita.
“O fundamental é entender que tudo, tudo é público.”
O fundamental é entender que tudo, tudo é público. Todos os anunciantes, em primeira análise, são públicos. Por exemplo, uma montadora de automóveis é uma grande anunciante? Sim. É privada? Sim. Mas se o governo, que é público, não tivesse política econômica que favorecesse o estabelecimento, o desenvolvimento e a permanência dessa montadora no país, em qualquer país, ela vai embora. Sem o poder público, o privado não existe.
Claro que falo isto em linhas gerais. Mas se o poder público não oferece condições para os empresários se estabelecerem eles simplesmente desaparecem. Eles querem vender, querem lucro. Não têm preocupação social com coisa nenhuma. Alguns até fazem marketing tentando dizer o contrário.
Voltando. Uma imprensa, no caso os grandes conglomerados, que só agem como empresa no pior sentido, não tem preocupação com seu papel básico: informar a população, trazer várias opiniões e contextos para possibilitar que crie seu juízo sobre os assuntos. Daí que fica ainda mais difícil informar com o máximo de isenção – mesmo porque isenção total não existe.
E essa imprensa, a grande, tem em seus quadros muitas pessoas curiosas, isto é bom. Mas curiosas que não têm o preparo necessário para cumprir seu papel. Estão ali para propagandear o que querem seus patrões.
“A imprensa independente também sofre com esta falta de preparo.”
A imprensa independente também sofre com esta falta de preparo. A diferença é que busca se aperfeiçoar, representar a vontade de seus leitores, espectadores, enfim. Mas, claro que, também, tem seus interesses políticos e comerciais. Entretanto, tem o direito de receber um tratamento justo para que possam existir.
Daí que com a pandemia, algo novo nos últimos 100 anos, todas as instituições têm muita dificuldade em discernir o que poderia ser bom no exercício de suas funções e obrigações. Estão tendo de conviver com “novidades” como a de que o poder público, bem ou mal, é que está segurando o rojão, que a miséria e pobreza existem e têm de ser combatidas.
Há muita coisa sendo dita, mal dita, mal apurada e passada como informação, mas que não passa de uma mera transmissão de dados.
Carlos Galdino: Na sua opinião, o que a imprensa deveria fazer frente ao tratamento desrespeitoso a ela dispensado pelo presidente da república?
Robson Luquési: Noticiar ininterruptamente o que o (des)governo vem fazendo. Buscar informações importantes sobre o que o (des)governo deveria estar fazendo, mas não está. Não precisa fazer campanha por impedimento, basta noticiar.
As entidades representativas dos proprietários de veículos de comunicação, dos profissionais de imprensa e das que têm formação coletiva poderiam organizar movimentos de cobrança das obrigações do ocupante do cargo de presidente. Não que não haja manifestações, mas têm sido temporais e individuais. Claro que nem todos os veículos concordariam, notadamente os que recebem verba governamental, mas os que topassem o trabalho.
Acredito que também caibam ações judiciais conjuntas contra o ocupante no sentido de contrapor o tratamento animalesco por ele dispensado à Imprensa.
Carlos Galdino: O que você enxerga de positivo e negativo comparando o comportamento da mídia brasileira e americana no que se refere ao aspecto de posicionamento político?
Robson Luquési: Em tese, muito em tese, esta pergunta não precisaria ser feita porque os veículos não deveriam ter posicionamento político. Lembra da isenção? Pois é. É uma abstração.
A mídia nacional, aí incluída a Imprensa – porque considero mídia um conjunto de meios variados que produzem notícias, cultura, entretenimento – tem uma grande variação ideológica – aqui entendendo ideologia como uma linha de pensamento – reflexo da nossa composição social. E esta diversidade é ótima porque abre espaço para vários posicionamentos. Paradoxalmente, também ficam reforçadas as diferenças e os obstáculos que os meios hegemônicos levantam para evitar que as vias independentes sigam com seu trabalho.
Nos Estados Unidos, embora até haja entidades de esquerda, ou próximo disso, e seus veículos, o cenário preponderante é o da mídia essencialmente capitalista, de mercado, portanto, conservadora. Isto graças à sedimentação da chamada ideologia de direita. O ambiente é dominado por essa visão de mundo, daí que, lá, o diferente não é assim tão estranho.
Carlos Galdino: As mídias tradicionais tem poder de influenciar e mudar os rumos da política,mesmo com as influências e expansão das redes sociais?
Robson Luquési: As redes sociais são o novo e potente campo de comunicação e, também, de domínio de pensamento. Quem já estava estruturado economicamente continua exercendo seu poder de direcionamento de interesses, mas com mudanças.
Mas como se trata de um mercado “incontrolável”, em comparação com as situações anteriores, as posturas questionadoras e inovadoras ganharam um enorme e importante campo de ação, já que a rede mundial de computadores não exige enormes investimentos de dinheiro para existir, como é para um jornal impresso.
E as mídias convencionais vêm se adaptando a esse novo mundo, com extrema dificuldade já que a concorrência aumentou. Não têm mais a influência que tinham. A linguagem e temas são outros, suas opiniões são mais algumas num mar de dados, impressões e achismos. Tanto é que as redes sociais têm tido papel decisivo em eleições, como foi o caso do brasil, em 2018.
Carlos Galdino: Qual seria o modelo ideal de concessão pública de comunicação para a inclusão democrática e igualitária de todas as parcelas de nossa sociedade?
Robson Luquési: Ideal, não há. Mas é preciso ser rigoroso naquilo que se julga correto e justo. Como há milhares de propostas para tudo, vão aqui algumas.
As concessões de rádio e televisão deveriam ser direcionadas para entidades da sociedade civil e grupos particulares, mas sempre com caráter público e sem participação de entidade internacional em sua composição societária.
Teriam de ter 80% de programação nacional, sendo metade disso com produção local.
Os espaços na programação têm de ser preenchidos por produção própria, nacional ou estrangeira, de cunho cultural/entretenimento/jornalístico.
Proibição de propriedade de concessão a qualquer agente político partidário, direta ou indiretamente, seja grupo ou indivíduo.
Abertura de frequências, em rádio e tv, para agentes e entidades comunitárias, com alcance aberto e programação própria. Criação de linhas de crédito para criação deste tipo de mídia.
As instituições religiosas deverão ter canais próprios de comunicação a serem exibidos em banda específica de difusão. Portanto, fica proibida a venda de espaços nos canais comerciais e comunitários.
O poder público deve criar uma rede nacional de banda larga para internet e facilitar o acesso para entidades e pessoas que não possam adquirir os aparelhos necessários, como computadores e celulares.
Reconfiguração do direcionamento de verbas publicitárias estatais com prioridade aos micro, pequenos e médios empreendedores da comunicação social.
Robson Luquési: é Jornalista, escritor, Já atuou em veículos de comunicação comerciais e assessoria de imprensa na administração pública e tem 57 anos de idade.
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