Por Daniel Gomes
Passado um mês da posse dos novos deputados e senadores, nenhuma das 25 comissões da Câmara dos Deputados ainda foram definidas. Já no Senado, das 13 comissões 12 já tem a presidência escolhida.
Para entender o papel dessas comissões em cada uma das casas legislativas, conversamos com Joyce Luz, professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), também doutoranda e mestre pelo Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo.
COMO SE DEFINE A PRESIDÊNCIA DAS COMISSÕES
Sempre o maior partido ficava responsável por poder escolher a maior parte das comissões. O partido do presidente, PSL, formou um grande bloco, incluindo o DEM, que está com a presidência das duas casas e eles vão ter a prerrogativa de escolher a maior parte das comissões, vão escolher mais comissões e quais eles querem. Assim, o modos operandi não vai ser alterado em relação ao que é feito desde 1988, mas em termos substantivos, da produção de políticas, começaremos a ter uma produção em uma direção diferente, pois a composição das comissões vai ter um ordenamento mais a direita do que estávamos acostumados.
O PLANALTO PODE FICAR REFÉM DO DEM, QUE PRESIDE A CÂMARA E O SENADO?
O PSL vai agir em coalizão com o DEM. Ele já tem um acordo firmado, pois os presidentes da Câmara e do Senado tem poder de agenda, são cargos que definem não só os projetos, a ordem da votação, mas também as comissões para as quais os projetos vão ter que passar, o rito da tramitação. A negociação do PSL com o DEM veio por meio de cargos de ministério, então, com o cargo da presidência da Câmara e do Senado, eles estejam atuando em um governo que chamamos de coalização, que não é aquela que estávamos acostumados a ver, a majoritária, em que você convida partidos para sua coalização até formar maioria para aprovar uma PEC, mas é uma coalização minoritária, pois não forma maioria ainda.
NESSE CENÁRIO, O BOLSONARO VAI CONSEGUIR NEGOCIAR COM FRENTES PARLAMENTARES E BANCADAS TEMÁTICAS EM VEZ DE PARTIDOS, COMO ELE AFIRMOU NA CAMPANHA?
Quando o presidente sinaliza que vai dialogar com frentes parlamentares ou com os próprios parlamentares, não há tanta certeza sobre a estabilidade dos acordos. As frentes, dificilmente vão ter líderes, se tiver, eles não são líderes partidários, não tem poder sobre o parlamentar, não definem, por exemplo, recursos de financiamento de campanha, esses líderes de frente partidária não têm poder de punir um parlamentar que se desvie do comportamento que eles esperavam. Também as frentes parlamentares não têm salas próprias para reuniões. Além disso, as frentes parlamentares entram em acordo por questões específicas – bancada da bala, bancada ruralista, banca evangélica, por exemplo – com temas pontuais. Não se saberá se todos os parlamentares que estão em uma frente parlamentar concordam da mesma forma sobre assuntos econômicos.. Hoje há mecanismos institucionais que garantem que acordos partidários sejam estáveis e que exista uma punição para o partido que não cumpra o acordo, o que não existe no caso das frentes parlamentares.
MAS OS MEMBROS DAS FRENTES PARLAMENTARES NÃO PODEM PREDOMINAR NAS COMISSÕES PERMANENTES QUE LHES INTERESSAM?
Hoje a regra da composição das comissões que está no regimento interno da Câmara é dito que cada comissão vai ser composta pela regra da proporcionalidade dos partidos dentro da Câmara ou dentro do Senado. Então, o partido que tiver a maior quantidade de cadeiras provavelmente será o que vai ter a maior quantidade de cadeiras dentro de uma comissão, então, segue uma regra de proporcionalidade de partidos e não de frentes parlamentares. Então, por exemplo, não necessariamente todos os ruralistas estão no mesmo partido de maneira que é difícil que as comissões sejam compostas majoritariamente por membros dessas frentes parlamentares, por hoje a regra da composição das comissões é dada por critérios partidários.
CCJ E A COMISSÃO DE FINANÇAS SÃO AS MAIS VISADAS POR QUÊ?
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e a Comissão de finanças, no rito de tramitação, são as duas comissões obrigatórias para todo projeto de lei. Então, independentemente de qual for a temática do projeto de lei, ele terá que passar pela CCJ e pela comissão de finanças. Isso implica que a tramitação do projeto pode terminar ali. O presidente pode não ter o controle das outras comissões. Por exemplo, se um projeto precisa passar pela comissão de saúde
[que esteja no controle do presidente]
, pode ser que nessa comissão o projeto sofra alterações que não agrade o partido do presidente ou a coalizão. Quando este projeto chegar na CCJ, o presidente controlando a CCJ, ele tem mais instrumentos na mão dele tentar barrar este projeto, arquivá-lo, não deixar que vá para frente, demorar na apreciação, ele tem mecanismos, ferramentas institucionais que dão poder para ele parar a tramitação, impedir que este projeto que não agrade a base aliada, vire de fato uma política pública que seja aprovada.
ESSA COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES VAI TER IMPACTO PARA A APROVAÇÃO DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA E DO PACOTE ANTICRIME?
Como esses dois projetos vão ter que ir para plenário, eles não vão tramitar com poder terminativo, ou seja, não vão poder terminar apenas sendo aprovado dentro das comissões. Nesses casos, o presidente vai ter que ter uma preocupação maior, porque não basta apenas a composição das comissões pelas quais o projeto vai passar, ele precisará ter a maioria dentro do plenário, o que é diferente de ter uma maioria dentro das comissões, porque ela necessariamente vai precisar ser maior. E hoje, com os partidos que o presidente tem na base aliada dele, que é o MDB e o DEM, hoje o presidente não consegue a maioria no plenário. Então, o governo tem uma preocupação à frente, de buscar como ele vai negociar ou como vai ser dada essa negociação não dentro das comissões, mas no próprio plenário.
COMO FICA O BLOCO DE OPOSIÇÃO NESSA LEGISLATURA?
Na Câmara, a oposição vai enfrentar grandes dificuldades. Havia a esperança que a oposição não se fragmentasse em dois blocos, pois se ficasse em um bloco só teria mais força para conseguir mais comissões e ter um poder de se indispor com o governo muito maior. Como a oposição está rachada em dois blocos, significa que nem a própria oposição está de acordo com tudo, então ali, a oposição está fragilizada. A oposição terá dificuldades para votar junto e tentar derrubar uma proposta do governo. A oposição não é hoje um corpo sólido na Câmara. No Senado, a oposição tem um peso menor, embora seja importante que dois partidos de oposição tenham tomada a frente de comissões no Senado. Mas qual vai ser a frequência com a qual essas duas temáticas vão chegar nas comissões? É mais comum que cheguem na Câmara pela dominância da pauta do Executivo. A divisão na Câmara vai atrapalhar e muito aqueles que estão contra o governo. Para o governo, é uma vantagem a mais e significa que ele não vai precisar se preocupar em barrar uma oposição, para o presidente isso é uma respiro maior, mas para a oposição isso é prejudicial. Se a oposição na Câmara tivesse uma comissão de assuntos econômicos, de direitos humanos, comissões com um peso político maior também para a pauta do presidente, teríamos uma oposição mais forte, pois o presidente seria obrigado a ir negociar com a oposição e nestes casos há atendimento de algumas demandas que são da minoria. É isso que justamente permite que a gente tenha um jogo democrático, pois quando a oposição consegue interferir na maioria que o presidente vai formar, esse presidente vai ter que ceder algumas coisas para essa oposição, e nisto estão incluídas algumas pautas importantes para as minorias.
POR QUE FOI MAIS RÁPIDA A DEFINIÇÃO DAS COMISSÕES NO SENADO?
No Senado, houve uma renovação de 2/3, então, temos senadores que já estavam lá na casa, e assim talvez o processo de negociação tenha sido mais simples, não há tantas comissões a serem disputadas, pois apesar de o regimento prever o seguimento da regra da proporcionalidade, esse fato de já ter senadores dos últimos quatro anos, de haver apenas 81 senadores e de haver menos partidos que na Câmara, isso tudo facilita a negociação para a escolha das comissões. Já na Câmara, se atingiu a maior fragmentação, com 16 partidos, em números efetivos, a maior fragmentação desde 1988, e há uma quantidade de parlamentares muito maior. As comissões na Câmara têm um peso maior para o Executivo, pois todo o projeto de lei iniciado pelo Executivo deve começar a tramitar na Câmara. Então, na Câmara, é importante que o presidente saiba muito bem quem é que vai controlar as comissões, já que é na Câmara que um projeto pode passar pelas maiores alterações, e como existe um processo de coordenação partidária, tudo que um partido altera na Câmara, dificilmente a bancada do mesmo partido que está no Senado vai alterar o projeto. Então, a demora ser maior na Câmara, também se justifica pelo fato de ali ser a casa iniciadora do projeto de lei do Executivo, que hoje são os de maior peso, o de maior importância. Ali é onde acontece a maior parte do projeto político”.
Valeu Daniel,bom texto