Rádio Cantareira Blog,Notícias Maximiliano Vicente: ‘A movimentação da elite gerou o processo da Independência’

Maximiliano Vicente: ‘A movimentação da elite gerou o processo da Independência’



No bicentenário da Independência do Brasil, comemorado neste mês de setembro, o Site Cantareira conversou com o professor Maximiliano Martin Vicente, historiador, mestre em História da América Latina, Doutor em História Social e livre docente em História do Brasil.

Maximiliano Martin Vicente (crédito: rádio UNESP FM)

Atualmente professor da Faculdade Arquitetura, Artes, Comunicação e Design da UNESP, campus de Bauru, Vicente comenta sobre os fatores internos e externos, e de natureza geopolítica e econômica, que levaram à independência política do Brasil, em um intervalo de tempo muito perto ao de outros países latino-americanos: “O que aconteceu, para resumir, é que se tentou moldar uma ideia de pátrias à semelhança das nações europeias, o que acabou gerando a exclusão das denominadas minorias ou grupos excluídos, leia-se índios e escravos, que ocuparam, digamos, uma segunda categoria de cidadãos”.

A seguir, leia  a íntegra da entrevista, concedida ao jornalista Daniel Gomes, comunicador voluntário da rádio comunitária Cantareira FM.

Após três séculos como colônia portuguesa, quais fatores da conjuntura econômica, política e social do Brasil foram mais determinantes para a proclamação da independência?

Maximiliano Martin Vicente: Creio que foram fatores muito semelhantes aos da América Latina, se pensarmos na conjuntura macro, e que dizem respeito à crise do sistema colonial. Entretanto, o processo brasileiro tem uma peculiaridade bem singular que está relacionado com a vinda da Família Real Portuguesa para o                      Brasil [em 1808]. Essa vinda desencadeou uma série de medidas, como abertura dos portos por exemplo, que permitiram a realização de negócios e de intercâmbios não condicentes com a situação de colônia. Ou seja, o status do país se transformou de tal forma que quando ocorre a ida da Família Real de volta para Portugal e Portugal tenta manter a condição de colônia desagrada ao comerciantes e outros setores dirigentes que além de discordar dos tributos pagos pelo Brasil viam na Independência uma possibilidade de crescimento. Assim, podemos dizer que a movimentação dessa elite gerou o processo da Independência.

Muitos de nossos países vizinhos, como a Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Venezuela proclamaram sua independência aproximadamente na mesma época que o Brasil. Quais fatores principais ajudam a explicar essa proximidade temporal?

A historiografia costuma elencar uma serie de fatores macros que se congregam sob um grande termo: “Crise do sistema colonial”, próprio do século XIX. Sob esse termo, se incluem temas como o iluminismo, o liberalismo econômico, o denominado bloqueio continental, por exemplo, que na sua essência não aceitava mais o colonialismo por impedir o crescimento e liberdade comercial, próprio do sistema capitalista que começava a se consolidar. Eliminar os intermediários seria essencial para garantir e livre negociação. A isso deve ser acrescentado a crise do sistema absolutista tanto espanhol quanto português ameaçado pelas guerras napoleônicas que gerou uma crise nas metrópoles favorecendo a movimentação das burguesias na América Latina e se desejo pela independência. 

O fato de a independência do Brasil não ter sido obtida via conflito armado ou uma insurgência mais radical, como ocorreu em outros países da América Latina, limitou de algum modo a nossa efetiva independência?

Creio que não. Essa ideia se espalhou em função da independência do Haiti [em 1804] e da própria América Latina. Na verdade, o Haiti, pouco depois da sua independência foi alvo das nações imperialistas e submetido aos interesses comerciais. Outro tanto ocorreu com a América Latina que ficou dependente do capital europeu e americano. Assim, todas as independências tem algo em comum: movimento burguês e atrelamento ao imperialismo europeu e americanos com a manutenção social, econômica baseada na desigualdade.

Como essa independência “negociada com o colonizador”, se assim podemos dizer, moldou o nosso sentimento patriótico?

Essa questão é muito polêmica. Via de regra, costumamos dizer, no âmbito da história, que a ideia de patria serve para anestesiar ou alienar a população por criar conceitos subjetivos de valores altamente questionáveis. A construção de nação implica em respeitar a alteridade e a diversidade. O que aconteceu, para resumir, é que se tentou moldar uma ideia de pátrias à semelhança das nações europeias, o que acabou gerando a exclusão das denominadas minorias ou grupos excluídos, leia-se índios e escravos, que ocuparam, digamos, uma segunda categoria de cidadãos.

A Constituição de 1824, em seu Artigo 1o, afirmava que “o Império do Brasil é a associação política de todos os cidadãos brasileiros. Eles formam uma nação livre e independente que não admite com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se oponha à sua independência”. Em termos geopolíticos, como essa nascente nação foi vista em um primeiro momento pelos países mais próximos e as grandes potências internacionais?

De alguma forma creio que já ficou subentendida a resposta a essa questão. O capital não queria intermediários e sim países livres, razão pela qual os países passaram a reconhecer a independência por motivos comercias e econômicos e pelo desejo de derrubar as metrópoles que estavam perdendo seu  apogeu, como foi o caso de Portugal e Espanha.  

Neste Bicentenário da independência do Brasil, podemos dizer que nossa nação é plenamente soberana e independente? O que ainda pode ser melhorado?

Num mundo globalizado é difícil encontrar um país nas condições de plenamente soberano. Assim, desde meu ponto de vista, há muito o que fazer tanto externa quanto internamente para conseguir essa tal de soberania. Ela se consegue com justiça social, com distribuição de renda, com a aceitação da diversidade e com a reparação das desigualdades historicamente construídas. O resto não passa de um falso nacionalismo assentado na emotividade, não na racionalidade e na construção da igualdade. Portanto, estamos bem longe de atingir esse ideal.

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