Rádio Cantareira Blog Com menos acesso a água e esgoto, população negra está mais exposta a doenças

Com menos acesso a água e esgoto, população negra está mais exposta a doenças



Texto / Guilherme Soares Dias | Edição / Simone Freire | Imagem / Arquivo / Agência Brasil

Em época de pandemia como a que estamos vivendo com o Covid-19, o novo coronavírus, todas as desigualdades sociais são maximizadas. E, no Brasil, os dados mostram que o acesso aos serviços de água e saneamento ainda guarda forte correlação com a cor da pessoa.
Ao todo, cerca de 100 milhões de pessoas no Brasil não contam com serviços de coleta e esgoto. No país, que tem uma das maiores bacias hidrográficas do mundo, 35 milhões não recebem água encanada e tratada em suas casas. Em algumas regiões, apesar de disponibilidade do serviço, o acesso regular à água chega a apenas metade da população local, como é o caso do Norte e do Nordeste.

A Síntese de Indicadores Sociais (SIS), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, mostrou que, 54,7% dos domicílios em que a pessoa residente era negra ou parda tinham acesso simultâneo aos serviços de abastecimento de água por rede geral, esgotamento por rede coletora ou pluvial e coleta direta ou indireta de lixo. Entre os domicílios em que a pessoa residente era branca, esse percentual subia para 72,1%.

Em sua publicação, o IBGE ressalta que em todos os indicadores de habitação e saneamento analisados, a situação da população preta ou parda é mais grave do que a enfrentada pela população branca. “Isso decorre da associação entre indicadores de moradia e pobreza e da sobrerrepresentação da população preta ou parda na população pobre”, diz o documento.

“A situação se torna muito pior quando os olhos se voltam para as periferias das cidades e localidades mais afastadas. O Estado finge não enxergar tamanho descaso, afinal de contas, que retorno há em investir onde mora a massa trabalhadora que carrega o país nas costas?”, afirma, em artigo, Francisco dos Santos Lopes, secretário Executivo da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae).

Racismo ambiental

O Mapa da Desigualdade produzido pela Rede Nossa São Paulo, mostra que a população preta e parda se concentra na periferia majoritariamente na periferia da cidade. Adriana Quedas, geógrafa, especialista em Gestão Metropolitana, Planejamento Territorial e Geoprocessamento afirma que a população pobre ocupa as periferias, pois estas áreas costumam ser as com menor infraestrutura, menor facilidade de acesso e, por isso, terrenos mais baratos.

Segundo o Mapa da Desigualdade, divulgado em 2019, em São Paulo, enquanto bairros como Moema (5,8%), Perdizes (9,3%) e Pinheiros (11%) têm baixo percentual de pessoas negras, os bairros do extremo da periferia são majoritariamente negros. É o caso do Jardim ngela (60,1%), Grajaú (56,8%) e Parelheiros (56,8%).

Os dados mostram, segundo Quedas, que o processo de urbanização das cidades é excludente e expulsa a população pobre para as periferias da metrópole. “À medida que a infraestrutura vai chegando a estes locais, ela agrega valor ao solo urbano e quem não pode pagar busca áreas cada vez mais precárias. Dessa maneira, a população negra sofre mais pela falta de saneamento por ser ‘forçada’ a residir nas regiões da cidade que não apresentam infraestrutura adequada”, diz.

Adriana ressalta que quando o presidente Jair Bolsonaro diz que o brasileiro tem o sistema imunológico forte porque está acostumado a “nadar em esgoto” e “não pegar nada”, esta fala representa o racismo ambiental que, segundo ela, é naturalizado e institucionalizado. “As empresas de água e esgoto agem de acordo com o interesse do mercado imobiliário, gerando infraestrutura para aumentar valor de terreno, e não buscando levar saneamento básico à população carente”, considera.

“As práticas racistas na sociedade quanto ao meio ambiente reproduzem o racismo institucional, resultando no racismo ambiental”, aponta o jurista, mestrando no programa de Ciências Sociais e membro do Observatório do Racismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Paulo Ramos, em artigo.

O conceito de racismo ambiental teve origem, segundo ele, nos Estados Unidos (1970), diante da poluição de uma fábrica, a partir dos descasos que afetaram a maioria da população de cor preta. “Os negros norte-americanos começaram a protestar e tratar tal situação como uma luta por justiça ambiental, priorizando a isonomia e a equidade nas relações sociais. Diante daquela situação desumana, o meio ambiente passou a ser pleiteado como um direito fundamental para uma vida saudável”, explica.

Base da pirâmide

Apesar da falta de saneamento trazer consequências graves para toda a população, há grupos especialmente atingidos pelo problema: as mulheres negras, as jovens e as indígenas. A conclusão está no estudo “O Saneamento e a Vida da Mulher Brasileira”, realizado pela BRK Ambiental e pelo Instituto Trata Brasil, que investigou os efeitos da falta de saneamento no público feminino com base nos números do IBGE.

A falta de saneamento básico está relacionada aos altos índices de afastamento por diarreia ou vômito. Os problemas de saúde decorrentes da ausência de água e esgoto, assim, afetam esses grupos com mais intensidade. A população de mulheres autodeclaradas pardas registrou, segundo a pesquisa, 80,2 casos por mil mulheres. A média entre o total de mulheres é de 76 casos a cada mil.

O estudo aponta ainda que as mulheres negras seriam as mais beneficiadas pela universalização dos serviços de água e esgoto para a população brasileira, pois representariam 75% das mulheres que sairiam imediatamente da pobreza pelo acesso a saneamento básico, que é um direito essencial para o desenvolvimento socioambiental e econômico plano.

“O princípio da universalidade constituído ao bem comum não atende às demandas do povo preto e periférico. A seletividade aos corpos pretos impede o acesso a direitos e às instituições de justiça, e nessa perspectiva o direito ambiental é uma das faces das estruturas racistas”, afirma Ramos.

Fonte: Alma Preta

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