Por Maria Teresa Ferreira – Projeto Enegrecendo
A pandemia é o descortinamento das desigualdades cotidianas, essa foi a lição do ano de 2020. A segunda onda da pandemia no mundo e no Brasil, também pelas mutações que ele sofreu nos últimos 10 meses, agravaram ainda mais problemas que já existiam. Entramos em 2021 com mais questões a serem respondidas do que soluções a serem implementadas.
Uma das questões relacionadas a essas violências cotidianas agravadas pela pandemia da corona vírus é a prova do Enem. Ela foi adiada em 2020 e agora no auge da crise sanitária foi remarcada para os dias 17 e 24 de janeiro. Porque a insistência do governo em fazer com que o Enem aconteça?
O Estado do Amazonas adiou a prova. Os últimos acontecimentos são estarrecedores. Falta de oxigênio, aumento do número de contaminados e também de óbitos, forçaram as autoridades a suspender o exame. Essa atitude protege a vida das pessoas e o mais importante, impede a circulação do vírus.
Mais uma vez revivemos o esforço da branquitude em retomar os lugares de produção, aquisição e difusão de conhecimento, lugar esse que eles nunca aceitaram ter perdido espaço, a Universidade.
Nos últimos 10 anos da cara da universidade mudou. Hoje a universidade é preta, é feminina, é feminista, é lgtb e o que permitiu essa mudança foram as políticas afirmativas como as cotas, Fies, Sisu, e outras políticas governamentais pensadas para permitir o ingresso da parcela mais vulnerável da sociedade as universidades, garantindo a elas acesso a educação.
No bojo dessas iniciativas, foram se organizando e se intensificando ações de suporte a essas pessoas, a exemplo de cursinhos populares como o Enfrente e a Uneafro por exemplo, organizações da sociedade civil que preparam jovens das periferias brasileiras para ingressar na Universidade.
O que acontece nesse momento de agravamento da pandemia? Os cursinhos pré-vestibulares populares tiveram suas estruturas de funcionamento mais precarizadas, principalmente porque eles também incorporaram o papel de dar assistência a suas comunidades duramente pela pandemia. Em contrapartida a estrutura dos cursinhos pré-vestibular particulares tiveram condições de fazer as adequações necessárias para manter seu ritmo de funcionamento, dentro da normalidade possível com as aulas on line.
A realidade que antes era ruim, hoje se mostra muito pior. Os dados não nos permitem mentir, em SP a média móvel e os óbitos tiveram um aumento de 50% e 53%, respectivamente, se comparados com os dados de 30 dias atrás.
Então porque adiar o Enem? Se essa sociedade que é cis, branca, masculina, heteronormativa, patriarcal, que cumpre seu papel de opressão e exclusão tem as condições necessárias da retomada da Universidade?
É nesse momento crucial, que a sociedade patriarcal encontrou para fazer da Universidade novamente seu lugar de produção e difusão de conhecimento.
Com a pandemia a parte expressiva dos estudantes está preocupada em sobreviver, em manter seus empregos. A preocupação está voltada para suas famílias, vivendo em lugares insalubres, além do que muitos perderam entes queridos e agora, estão revivendo as mesmas dores e duvidas de meses atrás, acrescidos de redobrada preocupação com a sobrevivência. Como enfrentar a concorrência por uma vaga na universidade se nada mudou?
O Enem como as cotas são políticas publicas que foram desenhados para que determinada parcela da sociedade pudesse ter acesso a educação e a universidade, para diminuir as desigualdades sociais. O Enem é um programa que todas as pessoas podem usar, mas ele foi desenhado para que determinada parcela da população pudesse ingressar na Universidade. O que está acontecendo?
Vivemos a encruzilhada da história, levar adiante o Enem e garantir o acesso à universidade para uma parcela mínima da sociedade que pode estudar ou adiar o Enem em nome de permitir a igualdade de participação daqueles para quem essa política pública foi pensada e as condições práticas da vida em pandemia não permitiram se dedicar ao estudo?
Ao mesmo tempo em que vivemos um momento muito difícil, ele é momento muito rico em possibilidades. Uma delas é aprender as lições que dizem respeito a encontrar caminhos mais empáticos, solidários e fraternos, pra finalmente poder nos dizer participantes de uma sociedade justa e igualitária.