Vovó Tutu, patrimônio da Brasilândia

por Simone Preciozo
“É inadmissível um pai não dar um pão para o filho, uma mãe ficar na janela sem saber de onde vai buscar esse pão.”
O pão, alimento simbólico, foi o maior elo entre Vovó Tutu e o povo da Brasilândia.
Ela contava emocionada, depois que a pandemia de COVID-19 tinha passado, que, ao fechar as portas de um estabelecimento aberto recentemente com toda a família, por falta de freguesia, sentou-se para chorar o seu drama pessoal e de toda a Brasilândia com as crianças do bairro fora da escola relatando fome e ouviu Deus dizer “Mulher, faz pão!”
A partir daquele momento, ela, acostumada a atos de solidariedade com diversas crianças e famílias do seu entorno, assumiu o compromisso sagrado de saciar diariamente a fome dos pequenos e de seus familiares.
À medida que ela ia envolvendo sua família na entrega (em todos os sentidos), algo de milagroso foi acontecendo. Algumas celebridades da gastronomia e da televisão abraçaram a sua causa e num crescente foram se mobilizando para ajudar aquele projeto que nascia da necessidade. Vó Tutu foi ao limite das forças físicas. Nunca esmoreceu.
Em diversas oportunidades, pude conhecer partes importantes de sua biografia. Fui privilegiada. Principalmente porque recebi amor. Sempre e muito.

TUTU CONTADORA DE HISTÓRIAS
Vovó compartilhou capítulos aos poucos, como a grande “Griô” que foi.
O trabalho no hospital em que ela dava um jeito de alimentar mães e crianças à espera de atendimento e sem condições para comer longe de casa.
A generosidade de ser “avó” adotiva de crianças que eram cuidadas por ela sem serem afastadas de suas mães. Um desses casos, ela contou no dia em que a conheci. Uma menina com deficiência intelectual e agravos à saúde que sonhava com uma festa de aniversário. O desfecho? Claro que ela fez a festa e fechou a rua. Muitos ajudaram.

As festas de Natal promovidas para crianças e idosos, ao mesmo tempo em que os pequenos presenteavam os idosos vulneráveis que ela costumava cuidar e acompanhar.
Vovó Tutu existia antes da partilha dos dois mil pães diários, mas esse capítulo de sua vida a tornou imortal. Patrimônio de uma Brasilândia que aprendeu muito com ela. Quem achou que seria impossível àquela senhora doce e generosa abraçar uma causa tão difícil?
Maria Paulina vai continuar nos ensinando. Sua biografia há de fazer com que nos indignemos sempre ao ver uma criança com fome. Aqui ou em qualquer parte do mundo.
Com saudade
São Paulo, 03 de junho de 2025.
Foto de abertura: @votutuoficial