Violência policial em São Paulo: letalidade, racismo e a urgência de uma reforma

Análise de Carlos Galdino, para a Rádio Cantareira FM
A letalidade policial no estado de São Paulo voltou a chamar atenção em 2024, escancarando uma realidade marcada pela seletividade racial, violência institucional e impunidade. Dados recentes revelam que, mais uma vez, a política de confronto adotada pelas forças de segurança tem ceifado vidas, sobretudo nas periferias da capital e em cidades da Grande São Paulo.

De acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz, 441 pessoas foram mortas por policiais em serviço nos primeiros oito meses de 2024 – um aumento de 78% em relação ao mesmo período de 2023. Dessas mortes, 64% das vítimas eram negras, enquanto apenas 31% eram brancas, apesar de a população negra representar cerca de 41% do total paulista. Os números reforçam a crítica de que o alvo preferencial da repressão continua sendo a juventude negra e periférica.
Além da desigualdade racial, o recorte geográfico também revela um padrão. Regiões como Jardim São Luís, Ermelino Matarazzo, São Miguel Paulista e Sapopemba concentram ocorrências letais. Essas áreas, historicamente negligenciadas por políticas públicas estruturais, acabam sendo ocupadas de forma violenta pelo Estado — quase sempre pela via da repressão.
Um relatório publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública já alertava que, em 2014, as mortes causadas por policiais representavam 21% de todos os homicídios na capital paulista, contra apenas 5% no ano 2000. Em muitas dessas ações, sequer há investigações conclusivas. A taxa de responsabilização é baixíssima, o que contribui para a perpetuação da violência e a sensação de impunidade.
“Estamos diante de uma política elitista de segurança, que prioriza o extermínio em vez da inclusão, o confronto em vez do diálogo”, afirma a defensora pública Natália Damázio, da Ouvidoria das Polícias. Para ela, o modelo vigente ainda carrega heranças do autoritarismo e do racismo estrutural, elementos que precisam ser urgentemente enfrentados.
Especialistas alertam para a urgência de uma reforma no modelo de policiamento, priorizando a formação cidadã dos agentes, o controle externo das ações policiais e o investimento em políticas públicas nos territórios mais atingidos pela violência do Estado.
A sociedade civil, os movimentos de direitos humanos e os veículos de mídia comunitária — como a Rádio Cantareira FM — têm papel fundamental na denúncia dessas violações e na construção de uma narrativa contra a banalização da morte.
Enquanto o modelo de segurança pública seguir pautado pela lógica da guerra, os dados continuarão subindo, as mães seguirão enterrando seus filhos, e a democracia seguirá sendo, para muitos, apenas uma promessa distante.