‘Revista da Semana’ dá visibilidade ao projeto ‘Banho pra Geral’

Ser solidária com próximo foi algo que Vanessa Mary Labigalin aprendeu em casa, com os pais. Ao longo da vida, a assistente social formada pela PUC-SP conheceu pessoas que a inspiraram ainda mais, como o Padre Júlio Lancellotti, que realiza um trabalho de referência em prol das pessoas em situação de rua.
E foi participando dos cafés da manhã na Casa de Oração do Povo da Rua, no bairro da Luz, e ouvindo as histórias e dificuldades dos que têm a rua como morada, que ela idealizou em dezembro de 2019, com o apoio de amigos e voluntários, o projeto ‘Banho pra Geral’.
Na edição de 21 de junho do programa ‘Revista da Semana’, apresentado por Beto Souza, Vanessa contou detalhes sobre a iniciativa: a cada mês, a carreta do banho sai três vezes às ruas, dando a possibilidade de que até 32 pessoas tomem banho em cada ação, quando também são ofertadas 50 marmitas e roupas, além de corte de cabelo.
A cada ano, a carreta do ‘Banho pra Geral’ vai em cinco locais da cidade – outros dez já estão na lista de espera. Entre os que já a recebem estão o Jardim Rincão, na zona Noroeste, e Praça dos Caminhoneiros, na Vila Maria, na zona Norte.
“A gente analisa os locais com altíssimo nível de vulnerabilidade e nos quais os serviços públicos pouco chegam. Vamos juntos com o Consultório da Rua, mantido pela Prefeitura e uma organização social, que faz uma abordagem de saúde para as pessoas. A ida aos mesmos territórios é para criarmos vínculos, podermos nos aproximar das pessoas, chamá-las pelo nome, pois não são tratados por nós como coitadinhos, mas como gente”, enfatizou Vanessa, que também é radialista, sociopsicodramatista e diretora de Comunicação e Projetos do Instituto de Políticas Relacionais.
UM DIA NO ‘BANHO PRA GERAL’

“Concretamente, na carreta a pessoa tem um espaço para poder tomar banho, mas também pode escolher uma roupa para se vestir, além de um sapato ou chinelo – e é a pessoa que escolhe, e isso reforça que ela tem gosto, identidade, faz com que possa se reconhecer. Também oferecemos uma refeição que o nosso próprio grupo de voluntários cozinha no dia da ação: é uma marmita de 1kg, sempre com uma proteína. A pessoa também pode cortar o cabelo, pois temos cabelereiros voluntários, e penteamos os cabelos das mulheres”, detalhou Vanessa.
Uma vez por mês, há um grupo que realiza uma conversa sobre o mercado de trabalho, encorajando e abrindo perspectivas às pessoas nas ruas. Nas épocas mais frias do ano, também são feitas ações para a entrega de roupas.
A carreta do banho é adaptada com dois chuveiros, dois aquecedores, uma sala de máquinas e comporta até 440 litros de água. Hoje, ela é transportada engatada em uma caminhonete, mas no começo era acoplada a uma kombi.
Vanessa Labigalin contou que quem acessa o serviço pela primeira vez se surpreende com o fato de poder ter um local para tomar um banho quente, com xampu e condicionador. Ela lembrou já ter entrado na carreta pessoas que estavam há dois anos sem tomar banho.
Atualmente, há cerca de 200 voluntários cadastrados no projeto. Aos que desejam ingressar, há um curso on-line. O último recebeu 932 intenções de inscrição, das quais 300 se confirmaram, mas, em média, 100 pessoas têm participado das aulas que acontecem uma vez por mês, durante uma hora. A turma atual irá se encerrar em agosto.
MANUNTENÇÃO DA INICIATIVA

Todo o projeto é mantido por meio de doações, sem qualquer tipo de verba pública, ainda que parlamentares já tenham aprovado a destinação de emendas para a iniciativa, mas os recursos ainda não foram liberados. Algumas empresas têm ajudado com verbas para a compra de alimentos.
“Somos muito transparentes na prestação de contas. Se a pessoa doar R$ 1,00 que seja, ela sabe que este valor vai todo para o projeto, será revertido em água quente, roupas e comida para as pessoas nas ruas. Eu não vi aqui para ‘enricar’ com a pobreza”, enfatizou Vanessa, destacando que tudo sobre a iniciativa está publicizado no Instagram (@banhoprageral), no perfil que já conta com 235 mil seguidores.
“É um projeto caro. A gente paga a água, o estacionamento, o aluguel da sede, a parcela da caminhonete. Sem contar que comprar roupa e comida também é muito caro, mas a gente vai se virando”, comentou Vanessa, ressaltando que empresas que queiram apoiar a iniciativa poderão estampar suas marcas na carreta e nos coletes dos voluntários. Além disso, toda pessoa pode fazer doações pelo plataforma Catarse (https://www.catarse.me/users/1179129) ou via PIX (CNPJ: 28.834.306/0001-62).
As doações de itens podem ser feitas Rua Tenente Ubirajara Monory, 205, Jabaquara. Neste momento, as maiores urgências são de roupas masculinas, como cuecas, bermudas, moleton, chinelo e tênis, sempre em bom estado.
CONQUISTAS E SONHOS
Em cinco anos do projeto ‘Banho pra Geral’, muitas conquistas já foram alcançadas. Uma delas, a montagem do bloco de carnaval “Unidos da Rua”, com a participação das pessoas em situação de rua.
Também já conseguiram editar o livro de uma pessoa em situação de rua, o Jaci, que já foi até apresentado na Bienal do livro e está sendo vendido pelas Edições Loyola. Criaram ainda a editora Selo da Rua e uma rádio web para e sobre as pessoas em situação de rua. “São muitas sementes já plantadas e que precisamos regar para que cresçam”, disse Vanessa.
A idealizadora do ‘Banho pra Geral’ assegurou que nunca o poder público tentou impedir os trabalhos realizados, mas lamentou que organizações que atuam no centro da cidade em favor das pessoas em situação de rua estejam tendo suas ações cerceadas pelas autoridades.

Vanessa lembrou que para a maioria das pessoas, viver em situação de rua não é uma escolha: é o que resta diante da falta de verbas para pagar um aluguel, ainda que consigam recursos com trabalhos que realizam.
Ela também disse não haver soluções mágicas para a realidade do povo da rua em São Paulo, nem para áreas como a Cracolândia. “Vocês acham mesmo que de uma hora para outra as ações do senhor Ricardo Nunes e do miliciano do Tarcísio de Freitas fizeram com que essas pessoas tivessem casa, comida? Não, né pessoal! Eles estão dizimando estas pessoas e colocando-as contra a população”.
Sobre o futuro do projeto ‘Banho pra Geral’, Vanessa disse ter a intenção de ampliá-lo gradualmente, havendo condições para tal: primeiro com mais saídas mensais da carreta, e no futuro disseminando a iniciativa para outros estados, “mas não queremos dar passos maiores do que as pernas, pois estamos lidando com gente. Não queremos perder este cuidado de conhecer as pessoas, de ver seus talentos”, enfatizou.
Por fim, Vanessa Mary Labigalin estimulou que todos sejam solidários com as pessoas em situação de rua, mas não com o simples assistencialismo de doar coisas – por vezes até sem perguntar se a pessoa deseja tal item – mas de estabelecer um mínimo de diálogo, de olhar para o próximo.
O programa ‘Revista da Semana’ é apresentado aos sábados, das 10h às 12h, na rádio comunitária Cantareira FM, por Beto Souza, com reprise aos domingos, das 14h às 16h. Abaixo, assista a íntegra da entrevista de 21 de junho com Vanessa Labigalin.