Paulo Illes, ex-coordenador de política migratória do Ministério da Justiça, é entrevistado na Cantareira FM

Uma conversa especial marcou a edição de 16 de julho do programa ‘Ambiente por Inteiro’: diretamente da Serra da Cantareira, Paulo Jofre entrevistou um dos maiores especialista em políticas migratórias no Brasil: Paulo Illes.

Atual coordenador do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), Illes tem uma longa trajetória nacional e internacional com o tema das migrações: de 2013 a 2016, foi o primeiro coordenador de políticas para imigrantes na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo, na gestão Fernando Haddad, consolidando a Política Municipal para a População Migrante. Depois, por mais de cinco anos, viveu na Europa, coordenando o projeto “Aliança Migração”; e entre 2023 e junho de 2024, atuou como coordenador geral de Política Migratória no Departamento de Migração do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

A influência das grandes potências nas imigrações

Paulo Illes com Paulo Jofre

Inicialmente, Paulo Illes destacou que a política dos Estados Unidos sempre foi contrária à acolhida a imigrantes, como se tem visto agora no governo do republicano Donald Trump, mas que também se verificou na gestão do democrata Barack Obama, marcado pelo recorde de deportações, de modo especial de mexicanos.

“Os mexicanos sempre falam que não estão imigrando para os Estados Unidos, mas sim que estão reivindicando a recuperação de seu território”, destacou Illes, ao recordar que localidades como a Califórnia pertenciam originalmente ao antigo México.

Illes também lembrou que desde 2005 a União Europeia tem construído centros de internação de imigrantes – “que são verdadeiros cárceres para prender as pessoas enquanto elas aguardam a deportação, o que pode durar anos” –, ao mesmo tempo em que se ampliaram nos Estados Unidos as cadeias somente para imigrantes, bem como uma influência de âmbito internacional para se criar como que barreiras em países para a chegada de migrantes a grandes centros mundiais. Por meio de financiamentos a governos locais, por exemplo, que tenta imigrar para a Itália é retido na Líbia; quem busca pela França é contido em Senegal.

Outro exemplo dado por Illes refere-se à situação vivenciada pelos imigrantes haitianos que ao tentar ir aos Estados Unidos acabam por ser deportados ao próprio país ou a outros nos quais foram acolhidos anteriormente e adquiriram cidadania, como é o caso do Brasil.

“Sempre falo que hoje, no Brasil, estamos vivendo o impacto dessa diretiva migratória de 2005, porque foi impacto de cima pra baixo – primeiro no México, depois Guatemala, Costa Rica, Panamá, Colômbia até chegar ao Brasil. Hoje, o recurso que os Estados Unidos investe no Brasil é para fazer esta retenção do chamado fluxo secundário de migrantes”.

“Com o governo Trump, porém, tem havido cortes nos recurso para ajudar os países que recebem migrantes. O governo norte-americano cortou verbas para a OIM, para o Acnur entre outras organizações que antes recebiam verbas diretas do escritório para migrações dos Estados Unidos. No caso do Brasil, eram recursos para atender especialmente os venezuelanos e haitianos. Assim, quase todo mundo que fazia acolhimento aos migrantes foi afetado e se desmantelaram as políticas, muitos serviços fecharam”, recordou Illes.

Leis avanças e necessidade de maior integração

O ex-coordenador geral de política migratória do Ministério da Justiça apontou, porém, que uma vez que o imigrante tenha conseguido chegar ao Brasil, ele encontrará leis para lhe permitirão permanecer no país, uma realidade que tem sido vista nos últimos anos especialmente com haitianos, venezuelanos e afegãos que procuram reconstruir suas vidas em solo brasileiro.

Segundo Illes, há imigrantes de mais de 90 nacionalidades no Brasil, vindos especialmente de territórios que vivem situações de conflito como Sudão, Nigéria, Irã e Bangladesh.

O especialista enfatizou que o Brasil é altamente respeitado nos fóruns internacionais de imigração, em razão de legislações como a Lei do Refúgio e a Lei de Migração, publicada em 2017, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, que era altamente restritivo.

Illes explicou que a Lei de Migração “coloca como princípio a garantia dos direitos humanos e a promoção da regularização migratória, ou seja, que o Estado tem o dever de promover a regularização migratória, se preocupa que as pessoas regularizem sua documentação no Brasil, o que é totalmente contrário ao modelo europeu. Aqui a imigração não é o crime, já na Europa ou nos Estados Unidos a pessoa é deportada ou vai para a cadeia”.

Entretanto, ele ponderou que o Brasil ainda tem o desafio de avançar nas políticas de integração aos imigrantes, de modo a bem acompanhá-los, especialmente no âmbito das políticas municipais.

“Tenho viajado o Brasil e conversado com diversos prefeitos para que haja um efetivo processo de integração dos migrantes na sociedade local e não apenas uma oferta de trabalho. Muitos chegam, trabalham por um mês ou dois, não se adaptam por trabalhar com algo que nunca atuaram antes e acabam buscando outro trabalho, por vezes informal, como de camelô, e é daí que começa a xenofobia, pois passam a ser vistos como concorrentes às vagas de trabalho no locais. Por isso, temos conversado muito com os prefeitos antes da ida dos migrantes, para que primeiro organizem um centro de atendimento”, detalhou.

Illes adiantou que o Ministério da Justiça está trabalhando na redação de um decreto da política migratória. “Eu coordenei este processo lá no Ministério da Justiça. Fizemos uma consulta pública, conversando com 600 organizações de modo on-line e apresentamos em novembro de 2023 ao então ministro Flávio Dino a minuta deste decreto. Houve alguns ajustes e ainda continua na negociação interna. Esperamos que até o final deste ano, o governo brasileiro publique este decreto para regulamentar um plano nacional, também detalhando como os municípios entram neste plano, de onde virão os recursos”, comentou.

Por fim, Paulo Illes lembrou que hoje os imigrantes vivem em cerca de 1.400 municípios brasileiros, um panorama bem diferente do começo da década passada: “É interessante isso, pois até 2010, era uma migração quase toda urbana. As pessoas vinham majoritariamente para São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, mas como o crescimento das indústrias frigoríficas e de outras da área de alimentação, os imigrantes também estão indo para cidades do interior em todo o Brasil”.

O programa ‘Ambiente por Inteiro’ vai ao ar às quartas-feiras, às 12h05, com reprise aos sábados às 7h. Abaixo, veja a íntegra da edição de 16 de julho.