Participantes do Curso Latino-Americano falam sobre saúde mental na rádio Cantareira FM

Os estúdios da comunitária Cantareira FM foram espaço, na tarde de 16 de agosto, para uma polifonia de experiências latino-americanas sobre o cuidado com a saúde mental.

Vindos do México, República Dominicana, Bolívia, Cuba e de diferentes partes do Brasil, os participantes do Curso Latino-Americano de Formação Pastoral compartilharam as experiências do que têm vivenciado na formação, iniciada em 3 de agosto e que se concluirá em 12 de setembro, em formato presencial e on-line, com o tema “Saúde mental como direito: desafios e caminhos para as igrejas e pastorais”.

A iniciativa é do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEEP) e tem o apoio da Associação Cantareira, mantenedora da rádio comunitária.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, 720 milhões de pessoas, cerca de 10% da população mundial, sofrem com transtornos mentais, mas este problema vem sendo negligenciado ao longo das décadas.

“Encontramos cada vez mais, na sociedade e, em especial, nas famílias, nas pastorais e nos movimentos sociais, pessoas estressadas, com síndrome do pânico, distúrbios do sono, angústia, depressão e outras enfermidades mentais”, afirma o CESEEP, destacando que o propósito do curso é “ir além das estatísticas preocupantes, explorar abordagens holísticas para o bem-estar físico, mental e espiritual das pessoas, individualmente, e da sociedade de modo geral”.

Roda de conversa

Nos estúdios da Cantareira FM, um grupo de participantes conversou ao vivo com os comunicadores Simone Preciozo, Beto Souza e Elisângela Silva.

Betânia, da coordenação de cursos do CESEEP, lembrou que a escolha do tema para esta 43a edição deveu-se ao fato de o mundo estar vivendo “uma pandemia de saúde mental, conforme mostram as estatísticas e dados, com mais pessoas sofrendo com transtornos de ansiedade, depressão. A gente precisa tratar disso e para tratar, temos de falar a respeito”.

Um dos participantes foi Alberto Pastor, que trabalha com comunidades indígenas no México, as quais, segundo ele, já têm o hábito de que as pessoas escutem umas às outras. Ele contou que no curso tem conseguido fortalecer e revisar as práticas de escuta e de ações de saúde mental.

Inácio, também do México, comentou sobre os saberes que está aprimorando no curso: “Estamos vivendo no curso experiências muito boas e quando voltarmos aos nossos países, vamos estar muito mais bem preparados para fazer trabalhos de acompanhamento de saúde mental”.

Alberto Pastor disse ainda sobre a importância da terapia comunitária, que é uma das abordagens do curso, pois muitas vezes é caro pagar por um profissional e a terapia comunitária é um caminho para que a saúde mental seja acessível a todos.

Irmã Silvia, da Diocese de Crateús (CE), comentou que a experiência que está vivendo no curso tem permitido que aprimore as técnicas de terapia comunitária que realiza. “A partir do que tenho escutado, agora olho para minha prática e penso no que eu posso fazer de melhor na comunidade para a questão da saúde mental. Algo me tocou bastante nestes dias é que falava da pastoral da escuta e da pastoral da esperança”.

Lidando com as questões de saúde mental

Ao longo do programa, os participantes falaram dos trabalhos que desenvolvem na área de saúde mental e de como lidam com isso em suas próprias vidas.

O pastor Rico, que vive em uma ocupação na cidade de São Paulo, relatou que as famílias que lutam pelo direito a moradia são seriamente afetadas em sua saúde mental durante os processos de desocupação.

“A violação da saúde mental dessas pessoas se dá com o aporte do poder público, que potencializa os despejos, não levando em consideração o aspecto psicoafetivo de quem está dentro de uma ocupação. O poder público só pensa nos critérios econômicos dos proprietários. Quase sempre, a primeira preocupação das famílias que chegam nos movimentos de base é: ‘Como será no dia que formos despejados? Qual a violência que passaremos?’”.

Ainda segundo o pastor, os líderes religiosos acabam sendo criticados quando apresentam quadros de ansiedade e depressão e comumente escutam que isso decorre de uma falta de fé: “Esse entendimento que há no Brasil de que problemas de saúde mental são devido à ‘falta de Deus’, trata-se de uma falsa leitura, pois o próprio Cristo sentiu depressão na cruz”.

Ramiro, pastor metodista na Bolívia, disse que tem lidado com muitas pessoas, especialmente jovens, que em razão de problemas de saúde mental acabam se tornando alcoólatras. Ele contou que tem buscado alertar sobre a importância dos cuidados com a saúde mental: “Falo sobre o assunto e busco levantar e animar a pessoa que vivencia este problema”.

Guilhermina del Rosario, da República Dominicana, lembrou que “a vida de cada um de nós é como uma vela que pode se apagar a qualquer momento, e a mente é a parte mais frágil que temos, é um cristal que a qualquer momento pode se quebrar”. Diante disso, ela pediu que seja dada efetiva atenção a quem diz não estar bem emocionalmente e lembrou que, não raro, pessoas que não são escutadas nesta condição acabam colocando fim à própria vida.  

Adones, do Centro Martin Luther King, de Cuba, que adota a prática ética, política e pedagógica de Paulo Freire, comentou que recorrentemente a instituição tem auxiliado pessoas com problemas de saúde mental: “Lidamos com traumas, complicações, dificuldades, e apresentamos ferramentas para que a pessoa possa compreender a própria situação, pedir ajuda, conversar, compartilhar e sentir-se segura para falar no grupo das situações. É importante que você compreenda seu trauma e saiba que tem uma comunidade, um grupo de pessoas com os quais você pode falar e ser acolhido nesta experiência”. Ele criticou o fato de diferentes instituições, como a família e a Igreja, algumas vezes imporem padrões às pessoas, os quais acabam levando a problemas mentais.

Participantes do curso e comunicadores da Cantareira FM

Betânia, que está em tratamento contra a depressão, aconselhou que quem vive situação semelhante deve pensar em viver um dia após o outro e buscar por um amplo suporte, que envolve tratamento medicamentoso, ajuda psicológica, e para algumas pessoas também uma prática de vida de fé.

Guilhermina ressaltou que as redes sociais representam um perigo atualmente para a saúde mental, pois as pessoas raramente se apresentam como de fato são. “Muitas pessoas querem viver a vida das outras das redes, o que é um erro, pois aquilo mostrado não é a realidade. Você tem que viver a sua própria vida. Somos distintos, somos diferentes”.

Chiquinha, também da Diocese de Crateús, lembrou que nenhuma pessoa está imune a enfrentar na vida problemas de saúde mental: “Ninguém se cura sozinho. Também não adoecemos sozinhos, algo aconteceu para que ficássemos doentes, e é muito importante dizer que ‘estou doente’, não que ‘eu sou doente’”.

Alicia Ramos e Cirilo Ramos, do México, e a senhora Rosário, da República Dominicana, também estiveram entre os cursistas que foram ao estúdio da rádio comunitária Cantareira FM em 16 de agosto.

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