O que fazer para aprimorar ‘o SUS nosso de cada dia?’

Instituído pela Constituição federal de 1988 e regulamentado em 1990, o Sistema Único de Saúde (SUS) é uma grande conquista da sociedade brasileira, por universalizar o acesso à saúde no País, mas são recorrentes as reclamações sobre seu funcionamento e a necessidade de permanentes aprimoramentos.

“O SUS nosso de cada dia” foi o tema em destaque na edição de 29 de maio do programa “Comunidade em Foco”, apresentado por Adão Alves e Juçara Terezinha, na rádio comunitária Cantareira FM, com a participação de quatro convidados que lidam com as questões de saúde básica na periferia.

Isabel: As pessoas devem perceber que o SUS é nosso

Profissional da área da Saúde e já tendo participado de conselhos gestores de unidades de saúde, Isabel, moradora da Vila Nova Cachoeirinha, foi uma das convidadas. Para ela, um dos gargalos do SUS é a falta de informações aos usuários: “Quando a pessoa chega na Unidade Básica de Saúde (UBS), ela já deveria ser orientada mais claramente sobre onde buscar pelo prosseguimento de seu atendimento, mas isso não acontece”.

Isabel ressaltou que os usuários precisam saber como funcionam os conselhos de saúde, nos quais podem expor as dificuldades de atendimento, para que os conselheiros repassem os problemas a instâncias superiores.

“As pessoas precisam ser motivadas a perceber que o SUS é nosso, de que nós é que temos de lutar por ele. Não adianta você reclamar e depois ir somente na hora que está precisando para ir criticar os funcionários pelo que não funciona”, disse Isabel, que frequentemente faz visitas às unidades hospitalares como agente da Pastoral da Saúde e nestas ocasiões sempre reporta à ouvidoria do estabelecimento de saúde o que está bom ou ruim no atendimento.  

Márcia: A atenção à saúde mental é uma urgência

Fernando, Adão, Juçara, Márcia, Isabel e Marcos Rubens

Também moradora do Distrito da Brasilândia, Márcia Mariano falou sobre a falta de um maior suporte no SUS às crianças neuroatípicas, entre as quais aquelas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), bem como aos seus familiares e responsáveis.

“Toda família de criança neuroatípica deveria ter direito de suporte a saúde mental, pois também precisa passar por tratamento”, disse Márcia.

Ela alertou, ainda, para a falta qualificação dos profissionais de saúde para diagnosticar e lidar com as crianças neuroatípicas, assim como nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), nos quais muitas das vezes os profissionais optam por um laudo padrão, sem olhar para as especificidades das crianças.

Márcia também relatou que durante o processo de adoecimento de sua mãe com o mal de Alzheimer, descobriu que 15 pessoas de sua região também tinham a doença e não recebiam o devido suporte da rede de saúde pública. “Fizemos um abaixo-assinado para ter agentes comunitários de saúde para aquela localidade”. Há, portanto, um vazio assistencial. Ela citou o caso da Rua Raimundo Carneiro, no Jardim Carumbé, na qual não há uma equipe de Estratégia de Saúde da Família.

Marcos Rubens: Lembrar do SUS não só nos agravos de saúde

Fernando, Marcos Rubens, Isabel e Márcia

O professor Marcos Rubens, liderança comunitária e agente da Pastoral da Saúde, recordou que o conceito de saúde compreende o completo bem estar físico, mental e social, além do bem estar espiritual.

“A população procura o serviço de saúde na hora de um agravo de saúde. As pessoas não têm a cultura e o cuidado da saúde continuada e da prevenção. E essa prevenção passa por você se autoconhecer e saber como funciona o básico do serviço, que é o seu posto de saúde”, comentou.

Marcos Rubens disse ainda que todos os usuários do SUS deveriam ser informados sobre como fazer uma reclamação na ouvidoria ou acessar o Ministério Público para denunciar um serviço que não esteja funcionando.

Fernando Chagas: Quando a judicialização é o único caminho

Fernando Chagas, Juçara Terezinha e Adão Alves

“Quando não há o devido atendimento no SUS, é porque todo o restante dos direitos de uma pessoa já foi violado. Se um idoso fica sentado em uma fila de uma UPA ou de uma UBS durante seis horas, é porque antes uma série de direitos dele já foi violado”, ressaltou Fernando Chagas, do Instituto Mensagem de Paz.

Fernando defendeu que cada vez mais as pessoas conheçam os caminhos para formalizar uma denúncia de atendimentos não realizados de modo ideal no SUS, se preciso encaminhando à questão para o âmbito jurídico.

O Instituto Mensagem de Paz, por vezes, faz essa intermediação. Ele recordou um caso em que o Instituto ajudou a acionar a Justiça para que uma criança com autismo severo fosse para uma clínica de atendimento, paga pela Prefeitura, e sua mãe, com depressão, também pudesse receber suporte clínico.

No entender de Fernando Chagas, se houver um maior volume de judicialização sobre um determinado atendimento em um território específico, se chegará a uma política pública àquela localidade, pois o poder público se verá obrigado a fazê-lo pela Justiça: “É preciso que haja a constatação, em papel, das demandas e da quantidade de pessoas que não estão sendo atendidas”.

Fernando, por fim, deixou uma dica para quem está há muito tempo na espera por um atendimento no SUS: “Descubra o e-mail da sua UBS e pergunte quando você vai ser atendido. Talvez respondam esse e-mail com uma negativa, mas se não se manifestarem, imprima ou gere um pdf da sua solicitação de atendimento, o guia de encaminhamento, e mande isso tudo para o Ministério Público”.  

Impressões dos apresentadores

Para Adão Alves, é fundamental que o conselho de saúde não seja visto pelos usuários como um órgão que “quebra-galho” diante de um problema pontual de atendimento, mas que reconheçam neste órgão a atuação para tratar das questões que afetam toda a coletividade.

O apresentador também ponderou que o caminho da judicialização resolve casos pontuais, mas não vai à raiz dos problemas. “Nós precisamos de organização política da sociedade para conseguir melhorias na estrutura de saúde para que não se precise mais judicializar. Temos de saber dos nossos direitos”.

Para Juçara Terezinha, alguns dos problemas do atendimento no SUS decorrem da terceirização dos serviços, já que as empresas atuam visando ao lucro e não necessariamente o bem da coletividade.

A apresentadora defendeu que os conselheiros de saúde sejam mais atuantes e questionem a gerência e os funcionários das unidades diante das demandas dos usuários, não deixando que os problemas continuem sem que se faça uma reclamação formal sobre as ocorrências.

Juçara também comentou que nas unidades de saúde tem se optado pela via medicamentosa e não por exames para encontrar os reais problemas crônicos de saúde das pessoas.

“A impressão que eu tenho é que, às vezes, vão ‘empurrando com a barriga’ o problema de saúde das pessoas”. Juçara também lembrou que os postos de saúde frequentemente estão sem todos os medicamentos passados pelos médicos. “Eu como usuária do SUS me sinto muito lesada pelo jeito como somos atendidos, pela qualidade dos serviços que não são prestados, pelo gerenciamento das próprias unidades básicas de saúde. Tudo é muito demorado para o atendimento”, lamentou.

A apresentadora também fez um apelo para que toda a comunidade possa participar dos espaços de controle social do SUS, e disse perceber a periferia muito adoecida, com pessoas vivendo a base de medicamentos, algo que precisa ser revisto a partir da adoção das práticas integrativas de saúde.

Ao final da live, Juçara e Adão reforçaram a ideia de uma vez por mês tratar do tema “O SUS nosso de cada dia” com os participantes.

ASSISTA A ÍNTEGRA DO COMUNIDADE EM FOCO DE 29 DE MAIO