No ‘Comunidade em Foco’, Padre José Aécio comenta a realidade carcerária no Brasil

Nascido em Pernambuco e vivendo em São Paulo desde a década de 1960 – a exceção de um período de dez anos em que esteve em missão no Piauí –, José Aécio Cordeiro, ordenado padre em 1986, é o atual responsável pela Pastoral Carcerária na Região Episcopal Brasilândia.
Padre Aécio foi entrevistado por Adão Alves na edição de 7 de agosto do programa “Comunidade em Foco”, na rádio comunitária Cantareira FM.
Antes da prisão, a injustiça social
Padre Aécio e Adão ressaltaram que a população periférica de uma grande cidade como São Paulo e os trabalhadores das áreas agrícolas no interior do Brasil são igualmente vítimas de um sistema produtivo que as obriga a trabalhar quase que ininterruptamente – escala 6×1 – a fim de que obtenham o mínimo para a manter suas famílias.
“Entretanto, são muitos ainda os sem emprego e sem casa que acabaram se envolvendo em pequenos furtos e sendo presos”, comentou Adão.
“Muita gente que vive nas favelas de São Paulo passa fome, passa necessidade”, complementou Padre Aécio, ressaltando que há grande muitas pessoas presas após serem pegas portando pequenas quantidade de drogas.
“A cultura de morte se repete. Nós sabemos que uma criança que cresce em um ambiente de criminalidade tem grande probabilidade de seguir o mesmo caminho. Não são todos, claro. A maioria dos que vivem nas favelas estudam, trabalham, não roubam nem são dependentes químicos”, prosseguiu o Sacerdote.
Quando a educação se antecipa à criminalidade

Padre Aécio recordou que conheceu a Pastoral Carcerária por intermédio do Padre Macedo [Antonio Macedo da Silva], que hoje dá nome a esta pastoral na Região Brasilândia.
Aos poucos, Padre Aécio foi se inteirando sobre os trabalhos, fazendo visitas a unidades prisionais e aos familiares dos presos e, assim, entendendo que as condições sociais e o vício em drogas muitas vezes conduzem as pessoas à prática de delitos e, consequentemente, às prisões.
Adão Alves recordou que o tráfico de drogas acaba levando muitas pessoas ao ingresso na criminalidade e ao encarceramento: quem se vicia rouba para poder pagar pela droga ou para saldar dívidas com o traficante. O apresentador disse ter visto ao longo de sua vida muitas pessoas perderem a vida por essas razões.
Diante deste cenário, Padre Aécio enalteceu as iniciativas sociais, muitas delas realizadas por pastorais, paróquias e congregações religiosas, que buscam educar as novas gerações, apresentar-lhes vias de capacitação profissional: “Os projetos sociais são a melhor maneira de a gente enfrentar a criminalidade”.
Padre Aécio enfatizou que a educação tem a força para evitar que mais pessoas acabem parando nas prisões. “Se a gente educar bem uma criança e um adolescente, ele dificilmente vai para o crime, pois se tornará uma pessoa esclarecida”. E complementou: “Se conseguimos evitar que os egressos dos presídios voltem à criminalidade, isso irá esvaziar os presídios”.
Um sem cárceres, mas sem impunidade
Ao longo da entrevista, o Padre também recordou o lema da Pastoral Carcerária: um mundo sem cárceres. Ele explicou que não é um propósito sem sentido, pois quanto mais pessoas estiverem encarceradas, maior haverá o contato entre os que cometeram pequenos delitos com aqueles protagonizaram coisas mais graves: “Um jovem é preso por ter roubado um celular, e não prisão convive com quem roubou um banco, se forma, assim, a ‘universidade do crime’”.
Padre Aécio também enfatizou: “Nós, da Pastoral Carcerária, não somos favoráveis à impunidade. Se alguém cometeu um delito, precisa ser detido, julgado e, após cumprir a pena, reintegrado na sociedade”.
Drogas e encarceramento

O responsável pela Pastoral Carcerária na Região Brasilândia ponderou que boa parcela dos presos no Brasil atualmente são pessoas que se perderam no vício das drogas e acabaram pegas com entorpecentes: “Na verdade, elas deveriam estar internadas em razão da dependência química e não encarceradas”.
Por essa razão, a Pastoral Carcerária tem se colocado favorável à descriminação das drogas: “A sociedade toda ganharia com isso, a violência diminuiria e teríamos como lidar melhor com este problema”, disse o Sacerdote.
Padre Aécio e Adão Alves recordaram que o Brasil tem a segunda maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, sendo que a maioria desses detentos foram presos portando drogas, seja como usuários, seja a serviço do narcotráfico.
O Sacerdote também destacou a importância de haver planos de reintegração dos egressos na sociedade. “Deve-se dar condições para que a pessoa não volte mais ao presídio, mas quem é que quer dar trabalho para um preso?”.
A missão da Pastoral Carcerária

Padre Aécio mencionou depoimentos de egressos gratos pela intermediação da Pastoral Carcerária para que sempre tenham seus direitos respeitados; e lamentou que ainda hoje no Brasil haja relatos de unidades prisionais superlotadas e insalubres, ainda que as condições venham melhorando a cada ano.
“Temos um grande trabalho pela frente de informar as pessoas sobre a situação carcerária para ver se conseguimos mudar mentalidades”, prosseguiu Padre Aécio.
O Sacerdote lembrou que os presos desejam trabalhar nos presídios, pois isso lhes garante remissão de pena, porém, “há poucas frentes de trabalho”.
A Pastoral Carcerária Padre Macedo realiza encontros mensais no primeiro sábado de cada mês, no bairro em Perus, perto da estação da CPTM. Desses encontros participam agentes de pastoral, familiares dos presos e, por vezes, egressos que vão expressar gratidão por todo o apoio jurídico e humanitário que recebem dessa Pastoral.
Padre Aécio fez o apelo para que mais pessoas possam ingressar na Pastoral Carcerária como voluntárias. Após passarem por todo processo formativo, elas poderão visitar encarcerados e as famílias dos presos. A Pastoral atende na Cúria da Região Brasilândia (Rua Rodrigues Blandy, 55, Parque São Luís – vizinha à Paróquia Santa Cruz de Itaberaba).
Por fim, Padre Aécio lembrou que “Jesus foi preso, encarcerado, torturado com uma coroa de espinhos, levou bofetada, cusparada, foi condenado à pena de morte – ‘crucifica-o’ – crucificado e sepultado”. E é o próprio Cristo, conforme o Evangelho de Mateus 25 quem diz ““Estive preso e foste me visitar”, e todos aqueles que assim fizerem serão benditos aos olhos de Deus.
“Temos de seguir Jesus, sermos mais misericordiosos e caminharmos na paz, em busca da justiça”, concluiu Padre Aécio.
Abaixo, assista a íntegra do programa “Comunidade em Foco” de 7 de agosto.