Êxodos: o futuro que já estava ali

Por Simone Preciozo

No início dos anos 2000, conheci o livro Êxodos, de Sebastião Salgado. Lembro-me exatamente da sensação de folhear aquelas páginas pesadas, em preto e branco, e sentir como se estivesse atravessando fronteiras invisíveis junto daquelas pessoas retratadas.

A PARTIDA DE SEBASTIÃO SALGADO

Com a partida do fotógrafo, no último dia 23 de maio de 2025, lembrei o primeiro contato com a obra que me transformaria para sempre. A alma sensível do fotógrafo foi capaz de identificar, em cada rosto retratado, uma mistura de exaustão, resistência e uma dignidade silenciosa – algo autorizado por níveis de sofrimento inacessíveis à maioria de nós até então. Chorei como mãe naquele instante. E vi, assustada, que Salgado havia tocado uma verdade que ainda era desconhecida para o mundo. Mais do que registrar o passado e o presente das pessoas profundamente abandonadas em sua humanidade, ele havia revelado o futuro.

De uma forma emblemática, Salgado deixou a vida no momento em que grande parte das pessoas na Terra descobriu verdades incômodas. Um genocídio transmitido em tempo real, catástrofes climáticas espalhadas mundo afora, a ameaça nazifascista rondando os países, um período pós-pandemia em que as pessoas demonstraram nada terem aprendido com perdas humanas. Perdemos o ponto de virada.

Os olhares de todas aquelas pessoas um dia me atravessaram. Também o olhar do fotógrafo. Como se ele absorvesse as dores que conheceu nos que encontrou. Vai fazer muita falta sua arte tão autoral. Arte essa que nunca foi neutra. Cada imagem que ele produziu é um grito silencioso, uma denúncia que atravessa o tempo e os discursos e nos obriga a olhar para o que tentamos ignorar, a sentir o que muitos preferem anestesiar.

Fotos: Agência Brasil

A ARTE POLÍTICA DE SALGADO

Êxodos é mais do que um registro documental — é um alerta político. Um testemunho da brutalidade dos sistemas que expulsam, exploram e descartam vidas. Também é uma convocação à empatia, à escuta, à ação. Ao nos mostrar que todos podemos ser empurrados para longe de casa, Salgado nos convida, sobretudo, a cuidar do mundo antes que seja tarde. O mundo é nossa casa.

A arte permanece. E continua dizendo o que muitos ainda não conseguem ouvir.