Emily Castro: ‘O que falo para todas as mães atípicas é que não desistam’

“No começo, nós, que somos mães atípicas, parece que estamos em uma luta contra os nosso filhos atípicos, porque não sabemos o que está acontecendo com eles. Há falta de profissionais capacitados nas escolas e na rede pública de saúde para se obter o diagnóstico, e com o tempo a situação da criança só tende a piorar. Hoje minha filha tem 10 anos e não sabe ler nem escrever”.

O relato, em tom emocionado, é de Emily Castro, mãe da Pérola, 10 anos, que está com o diagnóstico quase fechado para o Transtorno do Espectro Autista (TEA), após um longo empenho de sua mãe para entender a condição da filha.

Emily, moradora do Jardim Guarani, foi entrevistada na edição de 3 setembro do programa “Comunidade em Foco”, apresentado por Juçara Terezinha na rádio comunitária Cantareira FM, com a participação da neuropsicopedagoga Márcia Mariano, presidente da Associação Beneficente Albaninho, no Jardim Carumbé, e que acompanha a menina.

SINAIS TÍPICOS

Pérola é a filha mais velha de Emily, que é mãe de outras duas crianças que não são neuroatípicas. A menina começou a apresentar os sinais típicos de TEA entre 7 e 8 anos de idade, mas bem antes, já havia evidências, as quais Emily só entendeu após ter sido iniciada a hipótese diagnóstica. Na entrevista à rádio, ela fez um detalhado descritivo, cujos pontos principais listamos a seguir, os quais podem servir de atenção aos demais pais, ainda que o autismo tenha manifestações diferentes em cada pessoa.

No caso de Pérola:

– Ela começou a falar precocemente, aos 6 meses de vida, mas aos 3 anos parou de falar. Meses depois, voltou a falar, entretanto, bem menos do que antes;

– Quando era mais nova, andava na ponta dos pés;

– Tinha hiperfoco em observar luzes e mantinha olhar fixo para o nada;

– De 7 para 8 anos, passou a rejeitar todo tido de roupa e tênis, costumava a ficar nua em casa e se arrepiava quando encostava em alguns tecidos;
– Gritava quando ia lavar o cabelo;

– Enfileirava todos os seus brinquedos;

– Na escola, vivia isolada, não fazia atividade em grupo e se incomodava com o barulho das demais crianças, sentindo até dor de cabeça algumas vezes: “Ela ia de chinelo para a escola, já não arrumava mais o cabelo, as crianças ficavam a provocando na escola, puxando o cabelo dela”.

– Ao longo dos anos, parou de comer alimentos que antes comia: “Percebi que quando ela chegava perto de alguns alimentos, sentia vontade de vomitar”;

– Em alguns momentos, começava a bater palmas desordenadamente e pular;

– Também se batia e quando a mãe tentava contê-la, a agredia;

– Chegava a ficar até duas noites seguidas sem dormir.

“O que mais me preocupou, porém, foi quando ela, com 7 para 8 anos, começou a dizer que me odiava, que queria morrer, que ia pegar uma faca e colocar debaixo do meu travesseiro, e que ia subir na laje e pular para morrer. Ela tinha muito dificuldade a ouvir não. E eu tentava colocá-la de castigo para mudar de comportamento, mas não adiantava”, recorda Emily.

INCOMPREENSÕES E INDIFERENÇAS

Diante dos sinais das neurotipias e de recomendação da escola, Emily levou Pérola ao atendimento psicológico no posto de saúde, mas no primeiro diálogo com a psicóloga percebeu que ali sua filha não seria bem acolhida.

Foi, então, a uma psicóloga particular, que lhe deu uma encaminhamento sobre a seletividade alimentar de Pérola, mas ao entregar o documento na escola, recebeu a seguinte resposta da profissional da secretaria escolar: “Se sua filha não come qualquer coisa, fique à vontade para tirá-la da escola, colocá-la em uma outra de meio período perto de sua casa para que possa alimentá-la em sua casa”.

Já na nova escola, Pérola, agora com 10 anos, encontrou uma professora que percebeu que ela ainda não sabia ler nem escrever, e conversou com Emily, comprometendo-se a alfabetizar a menina, produzindo uma apostila diferenciada, ainda que tenha recebido críticas da direção escolar por ter essa atitude antes de que se apresentasse o laudo do diagnóstico de autismo.

Sem dinheiro para manter as consultar na psicóloga particular, Emily não conseguiu que Pérola tivesse o diagnóstico fechado e só tempos depois obteve um encaixe para a menina com uma psiquiatra no posto de saúde. Naquele momento, a filha já apresentava comportamentos ainda mais agressivos.

“A Pérola havia se tornado uma criança imensamente agressiva: ela se arranhava, beliscava, se batia, se machucava. Em uma crise, ela começou a se bater em uma porta de vidro, a porta quebrou e ela levou vários pontos no braço”, recordou a mãe.

“Tenho vídeos da minha filha dizendo, ‘Mãe, eu não aguento mais. Me mata logo para acabar com isso’. Quando você é mãe e vive isso, é muito difícil. Eu já ouvi de familiares que minha filha era uma criança ruim; ou ainda ‘a Pérola não tem nada, vocês estão inventando doença’. Também vejo hoje gente falando que autismo é graça, é falta de apanhar, é birra; ou gente falando pra ela, ‘Pérola, se eu fosse seu pai, você ia apanhar, não ia ser desse jeito, essa falta de educação’. Minha filha foi bem educada”, recordou Emily.

Emily, então, foi com a filha à consulta com a psiquiatra no posto de saúde, e contou, aos prantos, sobre tudo que estava acontecendo. Pérola, em certo momento, deu uma resposta mais ríspida à doutora, e a reação da profissional de saúde beira o inacreditável.

“Depois da fala da Pérola, a doutora vira pra mim e diz: ‘Ela não é autista. Os autistas são muito quadrados. Ela entende duplo sentido’. E a Pérola fez uma afeição de raiva para a psiquiatra e me disse: ‘Não gostei dela. Ela é muito feia’. A psiquiatra não gostou do comentário e reagiu: ‘Ela quer ser desagradável mesmo, está fazendo isso de propósito”, recordou Emily.

O ENCONTRO COM MÁRCIA

A vida de Pérola só começou a mudar quando a mãe a levou para uma consulta com a neuropsicopedagoga Márcia Mariano.

“Quando a Pérola vinha conversar comigo, todo o dia ela trazia uma lembrancinha, escrita ‘eu te amo’ e não queria ir embora, pois aqui conseguia desabafar, contar sobre a vida dela, se sentia acolhida. Então, eu fico grata de receber todo o dia recadinho na minha lousa. As crianças aqui se sentem acolhidas. Que a gente continue compartilhando estas informações, estas correntes, porque essas crianças elas podem ser funcionais. A Pérola vai fazer a terapia certinha e tenho certeza de que um dia vai conseguir ingressar no mercado de trabalho, casar-se, ter a família dela”, projetou Márcia.

A neuropsicopedagoga lamentou que ainda hoje a sociedade não entenda a realidade das pessoas com TEA: “A escola não está preparada, os professores não estão preparados, ninguém está preparado e quando não se busca conhecimento e informação, se acaba se taxando a criança, ‘ah, é frescura’; e a criança sofre demais, a mãe também sofre”.

Emily enalteceu o trabalho da doutora Márcia, que sobe orientá-la como lidar com a filha, e com isso conseguiu, depois de dois anos sem sucesso, convencer Pérola a realizar um exame de sangue. “Com um profissional como a doutora Márcia, que entende o que é o autismo, o seu filho consegue ganhar o mundo”, comentou. “Alguns dizem que o autismo virou moda, mas não é. A minha filha não virou autista há dois meses, minha filha é autista há dez anos, mas a gente, por muito tempo, tem de lidar sozinha dentro de casa até ter um suporte”.

Após tudo que passou para que sua filha obtivesse o correto atendimento e diagnóstico, Emily deixa uma mensagem de coragem: “O que falo para todas as mães atípicas é que não desistam. Juntas a gente é mais fortes. Quando eu recebi o diagnóstico de autismo da minha filha, eu falei pra mim mesma ‘eu vou lutar cegamente pela causa da minha filha’, porque todos os dias, os nossos familiares, nossos amigos e as pessoas de fora acham que a nossa luta é contra os nossos filhos, mas, na verdade, nós estamos lutando por nossos filhos. Eles precisam ser respeitados como pessoas com autismo, precisam ter carinho e compreensão”.

Assista a íntegra da entrevista no ‘Comunidade em Foco’ de 3 de setembro.