‘Comunidade em Foco’ entrevista Quintino José Viana, líder comunitário e ambiental
Queimadas, lixos despejados em áreas verdes e falta de zeladoria e de ação do poder público na periferia são algumas das realidades que o senhor Quintino José Viana vivencia há 56 anos no Jardim Damasceno e bairros vizinhos. Ele, porém, não está indiferente a estas situações, tanto que fundou o Movimento Ousadia Popular e se tornou uma referência na defesa do meio ambiente e do bem comum na periferia.
Quintino foi entrevistado na edição de 8 de outubro do programa “Comunidade em Foco”, apresentado por Juçara Terezinha, na rádio comunitária Cantareira FM, durante o qual tratou de problemas recentes e históricos principalmente dos bairros Jardim Damasceno, Jardim Princesa e Jardim Carumbé.
MÁ ZELADORIA DAS ÁRVORES

Uma de suas permanentes lutas é para que a Prefeitura de São Paulo faça o correto plantio e zeladoria de árvores na região. No programa, ele falou a respeito de eucaliptos, que mantidos nas laterais da Avenida Deputado Cantídio Sampaio, nas proximidades do Jardim Damasceno, tem gerado riscos à população.
“Os eucaliptos que estão instalados na lateral da avenida não é o tipo de madeira correto de estar ali e, daí, vive caindo em cima dos carros. Na semana passada, caíram duas árvores de eucalipto, eu vi bem na hora que aconteceu. O trânsito ficou parado por quatro horas, até que a Prefeitura chegasse com o guincho para tirar a árvore e depois liberar o trânsito. E quando caiu, estava passando na avenida uma lotação bem carregada de passageiros. Me deu um medo que caísse em cima do pessoal”, recordou.
Quintino criticou o fato de que a gestão municipal estar plantado árvores de grande porte debaixo da rede elétrica, o que a médio prazo trará problemas. “Estão plantando árvores quase na altura da rede elétrica. Elas vão crescer. Um Ipê, por exemplo, que cresce muito, não pode ser plantado na rua, só em parque ou dentro de um cinturão verde. Se plantar em lugar errado a árvore cresce, interfere nos fios da rede elétrica e pode cair”, comentou.
Juçara complementou que as podas de árvores têm sido feita de forma incorreta pela Prefeitura e que as ocupações desordenadas deixam as árvores mais suscetíveis a quedas, bem como facilitam a incidência de deslizamentos de terra, colocando a vida das pessoas em alto risco.
ESGOTO E GESTÃO DOS RIOS

O líder comunitário também criticou as intervenções que a Sabesp e a Prefeitura tem feito para tentar conter os impactos das enchentes nestes bairros. Um dos problemas, segundo ele, é a falta de galerias para o escoamento da água que se acumula na Avenida Deputado Cantídio Sampaio: “Sempre desce muita quantidade de água do córrego do canivete e do córrego do Onça. Como vão represar direito essa água? Os governos nunca escutam a comunidade, que tem experiência com a vida no dia a dia”.
Quintino defende, ainda, que se faça uma galeria ligando a Cantídio Sampaio com o córrego do bananal, para evitar que este transborde e afete as moradias do Jardim Princesa.
“De quem foi a ideia de jogar o esgoto dentro da natureza linda que a gente tinha antigamente? Tinha uma cachoeira muito bonita no córrego do Onça antigamente, tinha as nascentes do riacho, mas daí construíram a Cohab com o esgoto indo para o riacho, e o resto do pessoal achou que poderia fazer do mesmo jeito. O poder público não deveria ter dado o mau exemplo. Agora a Sabesp está ampliando rede de esgoto por causa dos processos que recebeu”, assegurou Quintino.
Juçara Terezinha lembrou que a água sempre brota limpinha das nascentes da Serra da Cantareira, mas tão logo passa pelos bairros fica contaminada e desagua nos rios Tietê e Pinheiros completamente suja e com rejeitos: “Daí se gasta bilhões para despoluir estes grandes rios, mas não cuidam das cabeceiras, onde tudo começa”, lamentou.
QUEIMADAS E POLUIÇÃO

Juçara recordou os relatos de moradores do Jardim Damasceno e entorno que em setembro e outubro muito sofreram com os efeitos das queimadas que liberaram fumaça tóxica, decorrentes de gases que se formaram no subsolo onde os lixos foram sendo acumulados irregularmente ao longo das décadas.
Quintino recordou que os moradores há tempos lutam para que o poder público e a polícia ambiental evitem que caminhões adentrem pelos bairros periféricos para descartar o lixo irregularmente. Ele também lembrou que os criminosos que cortam fios de rede elétrica para extrair o cobre e outros metais queimem estes fios justamente em locais distantes de onde possam ser pegos em flagrante. Além disso, segundo Quintino, quando chamados para apagar estes focos de incêndio, os Bombeiros demoram a chegar ou alegam que não há riscos para a população. “Só pode ser mentira. Eles apagam incêndio pior do que aqueles. Querem é ver o povo sofrer. Muitas pessoas, famílias, passam mal com aquela poluição”, observou.
“Uma professora de uma das escolas do Damasceno contou pra gente que tem dias que precisa tirar as crianças da sala porque elas não aguentam aquela poluição da fumaça. E eu queria saber até quando vai ficar assim. A Prefeitura diz que está fazendo tudo para resolver, mas não vejo. O que observo é a Polícia Ambiental e o Corpo de Bombeiros, depois que os moradores ligaram muitas vezes, mas a Prefeitura não faz nada. Ninguém está pensando nos riscos para a saúde do povo”, lamentou.
REPENSAR O DESCARTE DE RESÍDUOS

Quintino também comentou sobre a falta de constância na coleta de lixo comum e da ausência da passagem do caminhão de recicláveis pelos bairros.
Ele também enfatizou que o povo precisa repensar melhor sobre como reaproveitar os resíduos: “O nosso lixo é rico e temos condições de reaproveitar quase tudo. Se fizermos isso, vamos contaminar menos a nossa terra, a nossa água e isso vai gerar melhoria para a nossa saúde, além de mais empregos”.
Quintino comentou que na cidade de São José dos Campos (SP), por exemplo, já existe um maquinário para reaproveitar os componentes de entulho de construção, como a areia, que poder ser refinada e vendida a preços mais baratos para se fazer moradias populares. “Mas aqui este material é jogado debaixo do chão, quando não acaba sendo jogado no riacho”.
Dias antes da entrevista na rádio, Quintino realizou uma palestra para crianças de uma escola na região na qual passou vídeos explicativos sobre reciclagem: “A gente tem que colocar na cabeça das crianças que elas podem fazer diferente do que os adultos têm feito”, disse. “Vamos ajuntar forças para melhorar nossa Brasilândia abandonada”, motivou.
Abaixo, assista a íntegra da entrevista do senhor Quintino. Na ida à rádio, ele esteve acompanhado de dois moradores da ocupação da Capadócia.
