Cantareira FM dá voz a Leila, mãe atípica, e a Márcia, neuropsicopedagoga

No coração da mãe Leila Mascarenhas há igual amor para os quatro filhos: Renan, 19 anos, Ryan, 14, Emanuele, 7, e Eloá, 2. Emanuele – Manu, como é mais conhecida – demanda dela um carinho ainda maior: com 1 ano de idade, a menina foi diagnosticada com diabetes mellitus tipo 1, uma doença autoimune que, lentamente, vai destruindo as células dos pâncreas, prejudicando, assim, a produção de insulina pelo organismo, e, por consequência, provocando acúmulo de glicose no sangue.
“A Manu usa um pâncreas artificial, uma bomba de insulina, e tem feito tratamento de graça na Unifesp. Este tratamento tem melhorado a qualidade de vida dela e reduzido a necessidade de uso de seringas para insulina”, contou Leila em entrevista na edição de 26 de junho do programa “Comunidade em Foco”, da rádio comunitária Cantareira FM, apresentado por Juçara Terezinha e Adão Alves.
Leila destacou que sua vida está adaptada à rotina da filha, já que Manu precisa ter horários específicos para se alimentar e sempre aferir o nível de glicemia, a “ponta do dedo”, como é popularmente chamado este procedimento.
“Já houve épocas em que a Manu tinha de fazer dez ‘pontas de dedo por dia’. Hoje são menos porque ela usa o sensor. Os dedos dela eram todos machucados e vinha gente dizer que os dedos iam cair. Era tanta falta de informação que eu ficava triste pelo que ouvia”, recordou Leila.
Convivendo com mais um diagnóstico

Recentemente, a família de Leila se deparou com mais um desafio: Ryan foi laudado como uma criança com deficiência intelectual (DI), após a mãe ter procurado ajuda médica ao perceber as dificuldades de aprendizado do filho. “Como ele é muito calado, no começo eu pensava que era preguiçoso, que não queria fazer as coisas. Na escola, fizeram um relatório, chegando a dizer que ele ‘vivia no mundo da lua’, mas sem indicar o que poderia ser feito”, recordou.
Ao saber as condição do filho como uma pessoa com DI, Leila buscou se informar a respeito, e desconfiou que o diagnóstico talvez estivesse impreciso. E foi assim que chegou até Marcia Mariano, neuropsicopedagoga, que atende em clínica particular e é presidente da Associação Beneficente Albaninho, no Jardim Carumbé.
“Eu tenho recebido muitas demandas de relatórios errados. Retardo mental não tem nada a ver com um Transtorno do Espectro Autista (TEA), o autismo. É preciso que se faça um efetivo diagnóstico. O Ryan, por exemplo, está totalmente perdido em um diagnóstico que não é o dele. O Ryan não tem retardo mental, que é uma deficiência intelectual. O diagnóstico provável é de autismo. Uma criança com DI não consegue fazer as funções que são apresentadas em um teste específico como ele fez”, comentou Márcia na entrevista à rádio Cantareira FM.
Não há inclusão escolar para a crianças atípicas

Durante o programa, Leila compartilhou as dificuldades que enfrenta para assegurar que Manu e Ryan tenham os devidos suportes em suas escolas, conforme é garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Na EMEF em que estuda atualmente, Manu não tem que lhe dê suporte ao longo das aulas, razão pela qual Leila precisa acompanhar a filha integralmente no período escolar, um cenário bem diferente de quando a menina estudava em uma EMEI na qual os professores e funcionários buscaram entender e aprender sobre com tratar da melhor forma uma criança com diabetes tipo 1.
“Eu preciso estar com Manu das 12h às 18h na escola. É difícil. O que no Estatuto da Criança e do Adolescente é direito para todos, para a minha filha não é direito, pois só é respeitado se eu estiver na escola”, disse Leila, destacando, ainda, que quando um dos outros filhos adoece não tem como levar a Manu à escola, e que a recorrência de faltas fez com que seu benefício do Bolsa Família fosse bloqueado no mês passado. “Eu preciso de uma escola que cuide bem da Manu, também para eu poder me reinventar”, enfatizou.
“Minha filha nunca vai ser inclusa? Se amanhã acontecer algo comigo, ela não vai poder estudar? Não posso achar que está tudo bem. Eu conheço uma avó que a neta não foi para a escola nenhum dia este ano, porque essa senhora não tem como passar todo o tempo na escola com ela, pois cuida dos outros netos”, contou Leila.
Adão e Juçara observaram que Manu não está tendo efetiva inclusão escolar, já que a mãe está fazendo o papel que compete a profissionais da escola. Os apresentadores criticaram a falta de responsabilidade e sensibilidade do poder público e defenderam que mães atípicas recebam um benefício social permanente.
Não menos desafios tem enfrentado Ryan. A terapeuta Márcia recordou que ele já foi retirado de sala de aula por não conseguir acompanhar as tarefas escolares, situação que desencadeou nele um trauma, gerando revolta em Márcia e Leila. A mãe até fez um boletim de ocorrência sobre o caso.
Diante do relato, Adão Alves comentou que os profissionais de pedagogia precisam de um preparo mínimo para perceber as condições diferenciadas das crianças. “O pedagogo, especialmente aquele que trabalha com as séries iniciais, precisa ter um pouquinho de noção de psicologia para saber que crianças que não estão interagindo têm problemas: podem ser questões familiares, como maus-tratos; ou porque estejam vivendo em situações de exclusão econômica, como uma família com muitas crianças vivendo em uma casa apertada; ou ainda problemas psicológicos ou congênitos, como no caso do autismo”.
A luta pelo direito a tratamento digno
Márcia enfatizou que toda criança neuroatípica precisa passar por tratamento com uma equipe multidisciplinar, formada por psicólogo, fonoaudiólogo, neurologista ou psiquiatra. “É preciso que haja uma equipe completa, mas para a família, tudo isso implica gastos”.
Ela também relatou casos de crianças com TEA que tem seletividade alimentar, mas que acabam ficando sem alimentação na escola, devido à falta dos devidos cuidados. “Infelizmente, na maioria das escolas, se as mães não forem atrás dos direitos dos filhos, essas crianças ficam todas de canto, deixadas”.

Na Associação Beneficente Albaninho, há 350 crianças atípicas cadastradas, a maioria moradoras do Jardim Damasceno, Jardim Paulistano e Capadócia. “Infelizmente, eu não consigo fazer o mesmo atendimento lá que eu realizo no particular. Demanda uma equipe multiprofissional. Também não dá para fazer atendimento gratuito na clínica. Só de aluguel, por exemplo, eu pago R$ 4 mil”, relatou, pedindo às pessoas de boa vontade que colaborem com a iniciativa. Detalhes podem ser vistos no Instagram da Associação Beneficente Albaninho.
Márcia destacou, ainda, que não basta haver megaestruturas como o recém-lançado Centro TEA, da Prefeitura de São Paulo, pois os trâmites para se obter uma vaga são burocráticos, e o local não está na periferia: “O ideal é que haja o suporte aqui na região”, insistiu.
Ainda durante a entrevista, Leila recordou a mobilização que tem havido para derrubar o veto total ao PL 2687/2022, projeto de lei que classifica o diabetes mellitus tipo 1 como deficiência, o que faria as pessoas com essa condição terem os mesmos direitos previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência.
“Essa luta não é só minha porque tenho uma filha com diabetes e um filho com autismo. Existem mães que estão caladas, depressivas, que estão sofrendo e que precisam ser ajudadas. Temos que falar como sociedade. Peço que haja visibilidade para as crianças com diabetes: elas existem e temos de inclui-las, precisamos aprender a cuidar e lidar com elas”, insistiu Márcia.
Juçara, por fim, recomendou que na hora de escolher um parlamentar em que votar nas próximas eleições, as pessoas estejam atentas se os que se apresentam como candidatos estão preocupados com essas demandas.
Abaixo, assista a íntegra da live do programa “Comunidade em Foco” de 26 de junho na rádio comunitária Cantareira FM.