A força da mulher na Brasilândia é destaque no programa Comunidade em Foco

Na semana em que se celebra o Dia Internacional da Mulher, em 8 de março, a rádio comunitária Cantareira FM abriu seus microfones para as histórias e exemplos de vida de seis mulheres que vivem e atuam no Distrito da Brasilândia: Anatália Almeida, Olivia Sousa, Noêmia de Oliveira Mendonça, Carmen Araújo, Cida Honório e Joana D’Arc Rosalvo participaram na quinta-feira, 6, do programa Comunidade em Foco, apresentado pelas comunicadoras Juçara Terezinha e Simone Preciozo.
Por mais de uma hora e meia, elas recordaram passagens de suas vidas, as lutas em que se engajam em prol de uma sociedade mais igualitária e as muitas ações das mulheres da Brasilândia em diferentes áreas, proporcionando mais qualidade de vida, especialmente às pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Cida Honório: ‘Somos fortes, somos potentes’
Coordenadora do núcleo de mulheres do Instituto Transformação Cidadã (ITC) e apresentadora do podcast ‘A quebrada do amanhã’, Cida Honório, socióloga, recordou algumas de dificuldades de sua trajetória, como violência, racismo, fome e limitados acessos a serviços de saúde, situações que ela superou se engajando em movimentos sociais e estudando muito.
Cida comentou sobre as razões que a motivam a permanecer lutando para que os direitos das mulheres sejam reconhecidos: “Primeiro, porque se normaliza a violência obstétrica e outras violências contra a mulher, e isso não pode ser normalizado. A violência não começa com um tiro nem com uma facada. Começa antes, com alguns pequenos sinais. Estou na luta também devido ao alto índice de gestantes adolescentes, para que não aconteça com elas o que houve comigo: você perde parte da vida criando os filhos – eles não são um problema, são uma bênção – mas ter filhos muito precocemente é ruim. As meninas engravidam muito cedo, abandonam a escola e com isso só conseguem ter um subemprego e as dificuldades vão se reproduzindo a partir de então”.
“Nós, mulheres, somos fortes, somos potentes. Só precisamos descobrir como nos comportar diante do cenário machista e patriarcal que nós vivemos”, enfatizou Cida, destacando seu desejo de que cada vez mais as mulheres ocupem espaços de poder e liderança, principalmente as mulheres negras.

Joana D’Arc Rosalvo: ‘Que as pessoas não sejam objeto ou qualquer coisa’
Atualmente estudante de Serviço Social e palestrante, Joana D’Arc Rosalvo, 55, se tornou mãe, ainda na adolescência, da Vitória, uma pessoa com deficiência. Mulher negra, ela compartilhou o duplo preconceito que teve de lidar a vida toda: com o da cor da pele e com o fato de ter uma filha com deficiência.
Joana transformou as dores em resiliência e passou a ajudar outras famílias de pessoas com deficiência, especialmente a partir do projeto Vozes Femininas.
“Quem cuida de quem cuida? Quem me dá colo como cuidador quando eu preciso? Quem me dará apoio, orientações? Eu tive de aprender ‘na raça’ a passar por todos estes sofrimentos e entender, sozinha, o que estava acontecendo dentro do mundo PCD, pois não havia ninguém que compartilhasse essa experiência comigo. Muitos acham que cuidar de uma pessoa com deficiência é apenas empurrar uma cadeira de rodas ou trocar uma fralda, mas não é. É muito mais intenso! Por isso, comecei a militância de mostrar para essas mães quais são os seus direitos, quais são os seus valores, que existe uma rede de apoio, quais os direitos de seus filhos”, detalhou Joana, emocionada.
“O que eu sempre desejo é que as pessoas vejam o ser humano com ser humano e não como um objeto ou como qualquer coisa”, ressaltou Joana, desejando que jamais outras mulheres passem pelos sentimentos de dor, preconceito e repúdio que ela já teve de suportar.
Olivia Sousa: ensinando crianças e adolescentes a valorizar as mulheres
Pedagoga e psicopedagoga, Olivia Sousa tem uma trajetória de mais de três décadas de atuação nas Obras Assistenciais Vista Alegre, nas dependências da Comunidade Nossa Senhora das Dores, no Jardim Vista Alegre. Desde 2004, ela também coordena da Pastoral do Menor da Região Brasilândia.
Olivia recordou todo seu histórico de participação em fóruns pelos direitos das crianças e dos adolescentes, e seu engajamento para que as políticas públicas cheguem a essa parcela da população mais carente antes de que estes meninos e meninas sejam cooptados pelo crime. Atualmente, as Obras Assistenciais Vista Alegre acolhem 300 crianças e adolescentes, e há, também, um projeto de alfabetização de jovens e adultos.
“Trabalhamos com as crianças e adolescentes a valorização dos direitos das meninas e mulheres, para que futuramente não aconteçam feminicídios, para que a mulher seja sempre vista com um ser humano e não como um objeto ou como alguém a ser dominada. Nós nos preocupamos com isso para que estes jovens se formem adultos com um pensamento diferente”.
Carmen Araújo: ‘Fiquei angustiada ao ver que minha mãe não aprendia’
Atual coordenadora pedagógica do Mova na Associação Cantareira, Carmen Araújo, a Carminha, como é mais conhecida, começou a trabalhar aos 7 anos de idade como ajudante de feirante. Seu “salário” eram as verduras que levava para casa ao final da jornada. As frutas e legumes, a mãe, analfabeta, recolhia das sobras da feira, após um extenso dia de trabalho. Enquanto isso, o pai, intelectualizado, auxiliava em redação de cartas psicografadas. Raramente se via a família unida.
“Ele tinha vergonha da minha mãe, e eu, criança, já percebia isso. Deus o tenha, foi um grande homem, mas ele não acompanhou uma mulher analfabeta nordestina que colocava comida dentro de casa para que ele pudesse continuar com os estudos. Não dá pra ser indiferente quando um pai não anda com sua mãe porque ela é analfabeta”, ressaltou Carminha.
Desde os 11 anos, Carmen mora no Jardim Elisa Maria e acompanhou de perto o trabalho das Irmãs Médicas de Maria, uma congregação religiosa que se dedicou, especialmente no Jardim Ladeira Rosa, a cuidar de pessoas enfermas e dar-lhes medicamento, em um projeto de farmácia popular que existe até hoje. Com o tempo, Carminha também se interessou pela área de Educação, olhando para a realidade que a circundava e para a própria trajetória familiar.
“Eu fiquei angustiada ao ver que minha mãe não aprendia no Mobral [método de alfabetização vigente no Brasil durante o período da Ditadura Militar]. Havia alguma coisa errada. Por isso, voltei a estudar, cursei Pedagogia e fiz pós-graduação para descobrir os caminhos pelos quais um adulto aprende. E conhecendo o método Paulo Freire e outras estratégias, eu percebi que você não aprende de barriga vazia, nem se não tem acolhimento ou se precisa trabalhar o dia inteiro”, comentou Carminha, que também integra a Pastoral da Mulher.

Anatália Almeida: ‘Somos chão sagrado’
Formada em História e Pedagogia e pós-graduada em Psicopedagogia, Anatália Almeida, 63 anos, dedicou boa parte de sua vida na área da Educação e depois de aposentada se formou em produtora de conteúdo e designer instrucional.
Em sua trajetória como educadora, conheceu as diferentes realidades das escolas e das famílias da Brasilândia e se empenhou especialmente pelas crianças que apresentavam dificuldades de alfabetização. Anatália também foi ativa nas Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica, onde conheceu a Irmã Brígida, referência em evangelização e ação social na região.
“Irmã Brígida dizia que toda pessoa é chão sagrado. Somos chão sagrado, principalmente nós, mulheres, que geramos um filho, que geramos a vida, que cuidamos da família. Temos essa força, e não podemos nos esquecer jamais!”.
Anatália lembra que na casa da Irmã Brígida, no Jardim Damasceno, foram pensados muitos dos subsídios de formação para a Pastoral da Mulher e para a Catequese: “Para fazer estes cadernos, estudávamos os temas mais pungentes da época, como a questão da carestia, da falta de assistência médica e de saneamento do bairro, e o quanto as mulheres sofriam com isso. Falamos do poder da mulher, que é essa força do autoconhecimento, da capacidade de superação, principalmente quando somos provocadas e reagimos para buscar a solução dos problemas. É essa força de ir à luta, de não desistir e de não ter preguiça ou comodismo de participar das coisas”.
Noêmia Mendonça: ‘Que haja respeito à participação das mulheres’
Coordenadora do Núcleo de Mulheres do Espaço Cultural do Jardim Damasceno e conselheira participativa da Vila Brasilândia, a cearense Noêmia de Oliveira Mendonça tem uma longa trajetória de militância na área de direitos humanos e atualmente também atua no cultivo de hortas urbanas, integrando a rede de agricultoras paulistanas periféricas.
Noêmia chegou a São Paulo na década de 1970 e vivenciou de perto as precariedades de infraestrutura e de serviços públicos. Junto a outras mulheres, lutou para os direitos da população da periferia fossem assegurados, incluindo a construção de escolas públicas e os atendimentos em saúde. Ela recordou que nos clubes de mães, na década de 1980, as mulheres não só participavam de formações de artes manuais, mas também discutiam o seu papel na sociedade, um processo que só avançou com o decorrer dos anos.
“Cada uma de nós, ao longo destes anos, demos a nossa contribuição. Eu não me afastei das lutas e pretendo continuar enquanto tiver forças. Cada uma de nós, com nossa forma, com nosso jeito, com a nossa militância, estamos contribuindo para um projeto que a gente espera que um dia seja concretizado. Queremos igualdade de direitos e que haja respeito à participação das mulheres, porque ainda é um desafio muito grande. Temos visto a crescente violência contra a mulher em nosso país, na nossa cidade e na nossa região. Também queremos políticas públicas, pois sem qualidade de vida, a luta fica muito mais difícil. Temos de nos unir neste processo de construção, que não é fácil, mas é possível”.

Um caminho de resiliência
Ao final do programa Comunidade em Foco, as mediadoras agradeceram a participação das seis mulheres e asseguraram que mais momentos de entrevistas com elas serão feitos, em razão de suas frutuosas trajetórias de vida.
“O nosso caminhar, o nosso processo, é de inspirar as pessoas mais jovens para que estejam neste caminho também e um dia sejam referência. Temos, portanto, a responsabilidade de levar isso para essas meninas e mulheres. Juntas, conseguiremos alguma coisa”, comentou Simone Preciozo.
“A gente é forte, tem esse compromisso, e nas nossas diferenças conseguimos nos juntar, uma mulher fortalecendo a outra, fortalecendo trabalhos, e chegaremos lá! Oxalá, um dia, nossa sociedade seja, de verdade, administrada por mulheres: que tenhamos muitas mulheres nas câmaras municipais, nas assembleias, nos parlamentos, pois as mulheres fazem a diferença”, concluiu Juçara.
Veja a seguir a íntegra do programa Comunidade em Foco de 6 de março