A Educação Infantil na BNCC

Por Simone Preciozo
A Educação Infantil, etapa da vida escolar compreendida entre 0 e 6 anos, é, talvez, a mais importante para a formação do ser humano. Essa afirmação parece familiar, temos lido e ouvido desde algum tempo.
Vamos trazer algumas impressões sobre tal importância, em defesa da modalidade de educação que podemos considerar mais assertiva no currículo nacional, a Base Nacional Comum Curricular, ou BNCC[1]: a educação infantil.
Temos muitas críticas à BNCC e sua implementação. Após um Plano Nacional de Educação construído de forma democrática, a etapa seguinte foi a elaboração de um currículo nacional. Parecia tudo encadeado. Só que não. No meio do caminho, tinha um golpe, um vice-presidente que assumiu e correu para modificar todos os documentos e planos que pudessem garantir um futuro educacional mais coerente com um país que crescia em educação. Isso precisa ser dito.
GOLPE NA BNCC
Cesar Callegari, presidente da comissão da BNCC no Conselho Nacional de Educação, deixou o cargo e uma carta aberta à população brasileira, explicitando seus motivos. Sob a sua presidência, até 2018, a BNCC aprovou o currículo relativo à Educação Infantil e Ensino Fundamental. Em relação ao Ensino Médio, o governo que assumiu dando golpe na presidenta Dilma Rousseff tratou de implementar (goela abaixo) a tal reforma do ensino médio, refutada pela educação brasileira até hoje por abrir um fosso de desigualdades entre os estudantes da classe trabalhadora e os da classe dominante. Um dos maiores problemas que temos para resolver se quisermos garantir futuro para alunos originários da escola pública. Mas não é sobre isso que vamos nos debruçar hoje. Vamos pensar na Educação Infantil, a parte do documento que deu certo.
Durante a nossa história educacional, desde o surgimento da escola no século XIX, a Educação Infantil passou por muitas transformações conceituais. Não vamos nos ater a essa história, embora seja importante resgatá-la em algum momento.
O que vamos propor neste momento é pensar nos progressos que o currículo nacional trouxe para a infância, especialmente nos dois primeiros anos de vida.

Enquanto em um passado recente a escola para bebês era vista de maneira compensatória, ou seja, um meio de garantir cuidado para os filhos de trabalhadoras que passavam a não estar mais em casa todo o tempo, hoje frequentar a escola é uma necessidade humana e um direito dos bebês e das crianças. Essa mudança conceitual elevou a educação infantil ao seu patamar real de importância e poderá ser a resposta futura para um desenvolvimento educacional mais adequado.
A pandemia de coronavírus forçou à sociedade um retrocesso nas mudanças positivas, nos resultados verificáveis dessa possível transformação. Vamos precisar de mais tempo para consolidar tais resultados. E pesquisas.
DIREITOS DE APRENDIZAGEM
A pedra de toque para a transformação positiva do currículo da Educação Infantil foi propor que as crianças, desde o nascimento, têm direitos de aprendizagem, que são organizados como: 1. Conviver; 2. Brincar; 3. Participar; 4. Explorar; 5. Expressar; 6. Conhecer-se.

Como teorias psicogenéticas mais conhecidas sobre o desenvolvimento humano, temos as formuladas por Jean Piaget e Lev Semenovitch Vigotski. Se considerarmos a sua importância, nos é possível compreender por que a escola é fundamental no desenvolvimento humano desde os primeiros dias de vida.
Começando pela teoria de Jean Piaget, tem-se foco na formação dos esquemas de conhecimento. Segundo essa teoria, tudo o que sabemos é fruto das experiências anteriores, em um esquema que o Piaget explicou a partir da relação entre as operações de assimilação e acomodação, que podem ser compreendidas como a organização do pensamento a partir das experiências, primeiro muito sensoriais até se transformarem em mais abstratas, lá pela adolescência.
Em níveis mais avançados do desenvolvimento, o conhecimento acerca de algum objeto vai ser tanto mais elaborado quanto as experiências prévias permitirem. Vou dar um exemplo. Uma criança que teve oportunidade de conhecer diversos animais durante a educação infantil terá uma maior facilidade de compreensão dos temas de ciência naturais relacionados ao estudo dos animais, suas classificações e características. Porque formou esquemas de conhecimento que lhe permitiram essa amplitude.
Sobre Vigotski e sua teoria da formação de conceitos, temos que os conceitos primeiro são interpsíquicos, ou seja, apreendidos na relação histórica com o outro e com o meio e passam gradualmente à condição intrapsíquica, ou seja, uma reconstrução pessoal que contribui com a formação do pensamento e da linguagem. Primeiro, aprendemos no e com o meio em que vivemos, para depois transformarmos essa aprendizagem em uma construção pessoal. Como exemplo clássico, temos a fala, que é aprendida na relação com o outro, especialmente mãe, pai ou quem exerce tal função. Ela não nasce com a criança. Acontece na inter-relação e, depois, vai ser apropriada inclusive como fala interna, o pensamento.

A partir do que nos demonstraram muitos pesquisadores da educação, consideramos que uma teoria não se sobrepõe e nem exclui a outra. Os dois teóricos da psicogenética têm razão, cada um em sua experiência, realizada sobre bases diversas.
A experiência de aprendizagem de uma criança que não frequenta a escola estará prejudicada em relação a outra que a frequente desde o nascimento. Não há mais dúvidas. A partir desse raciocínio, sabemos que, como sociedade, também fomos prejudicados pela pandemia, uma vez que essa nos trouxe algumas urgências em relação aos direitos das crianças que se sobrepuseram aos direitos de aprendizagem. Hoje, é muito mais urgente garantir as necessidades básicas a um número alto de crianças consideradas órfãs da covid (113.000) do que nos atermos à garantia de seus direitos de aprendizagem. Entretanto, é fundamental termos em perspectiva que em algum momento será preciso cuidar desses direitos, se quisermos que as crianças tenham um desenvolvimento maior no futuro.
O currículo nacional precisa de ajustes, melhorias a serem garantidas pelo país como um todo, não há dúvidas, mas a aprendizagem dos bebês e a sua organização curricular são incontestáveis. Vamos cuidar desse futuro.
[1] BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.