No ‘Comunidade em Foco’, Nubia relata os desafios para tratar do filho com fibrose cística

O pequeno Bento, de 1 ano e 2 meses, é cercado pelo amor de toda a sua família e de modo especial de sua ‘Mãe de Fibra’: médica veterinária, Nubia Patriarca Octaviano tem dedicado a vida para a buscar tratamentos para o filho que tem fibrose cística, uma doença genética, rara e progressiva, que causa mau funcionamento do transporte de cloro e sódio nas membranas celulares.

Uma das consequências da doença é que a pessoa produz um muco espesso nos brônquios e nos pulmões, algo que facilita a incidência de infecções de repetição e causa problemas respiratórios. Outra manifestação é o bloqueio dos ductos pancreáticos, causando problemas no sistema digestivo. Ao longo da evolução da doença ocorre desnutrição, atraso no desenvolvimento e infecções pulmonares crônicas.

Na edição de 25 de setembro do programa ‘Comunidade em Foco’, da rádio comunitária Cantareira FM, Nubia relatou toda a sua jornada para assegurar vida digna o filho. Ela foi entrevistada por Adão Alves e Marcos Rubens, no quadro “O SUS nosso de cada dia”, também com as participações de Izabel Magalhães, agente da Pastoral da Saúde; e do advogado William Fernandes, professor de Direito e que milita pela democratização do acesso ao sistema de Justiça.

O pequeno Bento foi diagnosticado com fibrose cística a partir do exame do pezinho. Depois, fez outros exames de confirmação e passou a tomar medicamentos específicos, que permitem que conviva com a doença, um cenário bem diferente das crianças afetadas com fibrose cística em décadas passadas e que não viviam para além dos 2 anos de idade.

“Hoje, graças ao SUS e a todas as medicações que existem, essas crianças atingem a fase adulta e vivem para além dos 40 anos de idade”, relatou Nubia, recordando que somente no ano de 2001 o teste do pezinho passou a detectar a fibrose cística, de modo que ainda hoje haja jovens que têm a doença, mas não foram diagnosticados, até pela falta de acesso a informações sobre ela.

DIFICULDADES PARA O TRATAMENTO

Nubia recordou que em conversa com outras mães com filhos com fibrose cística, sabe de muitos relatos sobre dificuldades para o acesso ao tratamento ideal.

“Aqui em São Paulo, eu tenho fácil acesso às medicações via SUS. Eu vou no Hospital Estadual Mário Covas, em Santo André, e pego todos os medicamentos que o Bento precisa. Entretanto, sei de mães que vivem no Norte e no Nordeste e relatam falta de acesso ao que seus filhos precisam. Recentemente, eu enviei para uma mãezinha do Pará, via Correios, enzimas pancreáticas, ‘bombinha de asma’ e a vitamina ADEK, pois lá não tinha. Muitos estados também não têm centro de referência para pacientes com fibrose cística”, lamentou Nubia.

Adão recordou ser fundamental que os pais de crianças atípicas busquem saber melhor sobre a condição de seus filhos, aceitem os diagnósticos e lutem por políticas públicas que possam assegurar-lhes dignidade de vida: “Se o Estado deve ser responsável, vamos cobrar responsabilidades para todo o suporte”.

Nubia também falou sobre os altos custos que envolvem os tratamentos. Um dos medicamentos, chamado Trikafta, custa cerca de R$ 120 mil; enquanto o similiar, o Trixacar, produzido na Argentina, custa R$ 35 mil. “Cada caixa, no caso do Bento, que ainda é pequenininho, toma em dosagem baixa, dura oito meses”, detalhou, destacando que para os adultos a duração de uma caixa é de um mês.

“O Trikafta é um medicamento produzido nos Estados Unidos e na Europa, mas no SUS, hoje, só está disponível para crianças acima dos 6 anos de idade. Graças a Deus, em 12 de setembro, foi aprovado na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] o uso para crianças de 2 a 5 anos. Eu conheço, porém, diversas mães que começaram a dar essa medicação ao filho antes dos 2 anos de idade, como foi nosso caso, pois ela dá uma resposta muito positiva para a vida da criança. Já há até casos de crianças em que o pâncreas voltou a funcionar após o uso dessa medicação, ou seja, não precisam mais tomar enzima, estão se desenvolvendo normalmente”, detalhou.

O DIREITO À SAÚDE

O advogado William Fernandes comentou que a partir do momento em que a Anvisa aprovou o medicamento, e foram cumpridos os demais trâmites para que seja disponibilizado no SUS, as pessoas podem acionar a Justiça para que tenham este direito assegurado.

“O Estado é obrigado a fornecer medicamentos registrados pela Anvisa, mas existe uma exceção a esta regra: se estiver em processo de pedido de regularização. O Estado só não fornecerá este medicamento se, passado este processo, for negado pela Anvisa o reconhecimento deste remédio”, explicou o advogado. “Portanto, se uma pessoa buscar por este remédio já autorizado pela Anvisa e não tiver acesso, ela vai conseguir este remédio judicialmente. E como fazer? Ela pode contratar um advogado, mas eu recomendo que vá à Defensoria Pública, que é um órgão de Estado e que poderá entrar com uma ação. Além disso, o Ministério Público atua em direitos sociais, como o direito à saúde”, explicou.  

Nubia comentou que muitas mães de crianças de fibrose cística com mais de 2 anos de idade estão entrando na justiça e conseguindo o acesso ao medicamento via SUS.

Ela também lembrou o quanto é importante que as pessoas com fibrose cística recebam todos o suporte em saúde pública: “É uma doença que atinge não somente o pulmão, mas também o pâncreas, o sistema digestivo e, por consequência, leva a uma crise de má-absorção dos nutrientes. Assim, meu filho precisa passar por pneumologista, gastro, nutricionista, nutróloga, fisioterapeuta respiratório, entre outros profissionais, além dos exames mensais”.

William Fernandes destacou que alguns direitos somente são conquistados a partir da luta da população: “O desafio do Estado não é criar equipamento público. O desafio do Estado é manter o equipamento público, com sua estrutura devida e médicos. Para isso, há a disputa pelo orçamento seja do município, do Estado e da União, e a questão reside em saber quem está ganhando esta disputa”.

Ao longo do programa, Izabel Magalhães e Marcos Rubens estimularam que as pessoas se informem a respeito dos conselhos participativos de saúde das UBSs e hospitais, e deles tomem parte para as demandas locais em saúde.

“Nós, ‘mães de fibra’, estamos na luta e não só por nossos filhos, mas por todos”, assegurou Nubia. Quem deseja conhecer mais a história dela e de Bento, e ajudar nas vaquinhas virtuais para a compra de medicamentos do garoto, pode fazer contato pelo Instagram (@nubiapoctaviano).

VEJA A LIVE DE 25 DE SETEMBRO DO ‘COMUNIDADE EM FOCO’