E querem queimar o lixo da cidade sob a cabeça do povo da periferia
Sem realizar uma audiência pública sequer, a Loga, uma das concessionárias que opera na coleta e destinação dos resíduos sólidos urbanos em São Paulo, planeja instalar um incinerador de lixo no bairro de Perus, na zona Noroeste da cidade, a menos de 7km das terras indígenas do Jaraguá e nas proximidades do Parque Municipal Anhanguera.
A medida tem revoltado os moradores de Perus, que se organizaram no movimento “Incinerador de Lixo em Perus, não!” (@incineradordelixoemperusnao). Na edição de 15 de novembro do programa Revista da Semana, da rádio comunitária Cantareira FM, o tema foi tratado pelos apresentadores Beto Souza e Léo Pereira, que entrevistaram a engenheira Sirlei Bertolini, membro do Conselho de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Cades); e Márcio Bezerra, professor e integrante de grupos de educação.
Sirlei recordou que embora o projeto de instalação do incinerador exista desde o final de 2024, somente em setembro deste ano a comunidade teve maior ciência a respeito da chamada Unidade de Recuperação Energética (URE) Bandeirantes, apresentada com tendo uma suposta tecnologia para tratar os resíduos sólidos e gerar energia a partir disso, mas que na prática se vale de um expediente condenável em diferentes países: a queima do lixo. O projeto já está em fase de aprovação na Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).
“Não houve transparência! Esse processo entrou no final de 2024. Foi feito até um estudo de percepção da população, mas ouviram apenas 75 pessoas do entorno, de uma população de 200 mil que moram na região. Até hoje não houve uma audiência pública sobre o projeto”, criticou Sirlei, destacando, ainda, que o Estudo de Impacto Ambiental apresentado pela Loga mostra que a área de influência do incinerador pode afetar indiretamente o Refúgio da Vida Silvestre Anhanguera e todo o bairro de Perus, que pode sofrer principalmente pela poluição do ar.
MAIS EMPREGO OU MAIS TOXICIDADE?

Márcio Bezerra lembrou que há planos de se instalarem incineradores também em Santo Amaro, na zona Sul, e em São Mateus, na zona Leste.
“Mas aqui em Perus o pior é que o projeto é fazer em cima do antigo Lixão, que hoje chamam de aterro sanitário. E logo do lado, atravessando o Rodoanel, você tem a aldeia indígena dos Guarani, e próximo dali o Parque Anhanguera, além de toda a população dos bairros. E o que sairá deste incinerador é cancerígeno, é tóxico! E por que na nossa cabeça de novo?”, indagou Márcio.
O professor comentou que a concessionária Loga tem tentado argumentar com a população que o incinerador irá gerar emprego na região. “Ok, vai gerar renda, mas vai gerar câncer também e outras doenças”.
O custo para a instalação do incinerador em Perus está estimado em R$ 1,5 bilhão, com capacidade para queimar de 1.000 a 1.100 toneladas de lixo diariamente, gerando somente 34 mW de energia.
OUTRAS SOLUÇÕES AMBIENTALMENTE CORRETAS

Márcio ressaltou que mais eficaz e benéfico ao meio ambiente seria incentivar de modo efetivo ações de coleta e correta destinação de resíduos na cidade, já que em São Paulo somente 3% do total “do lixo” é reciclado. Ele lembrou, por exemplo, que todos os resíduos das feiras livres que poderiam ser enviados para compostagem hoje se misturam ao lixo comum.
Sirlei, que participou das discussões da formulação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, lembrou que São Paulo também fez um plano de gestão de resíduos municipal, com várias metas, e que a Loga não cumpriu a maioria das responsabilidades que lhe cabiam, mas que ainda assim teve como “prêmio” a renovação do contrato de concessão e poderá também conquistar a possibilidade de queimar o lixo em vez de ter de adotar outros expedientes mais complexos, porém ambientalmente corretos, para tratar dos resíduos sólidos.
“Incinerar supõe que você terá de utilizar muito material combustível. O nosso resíduo tem muito material orgânico, e nessa lógica se queimarão coisas que são importantes para reciclar, como papel, por exemplo”, detalhou Sirlei.
Ela recordou que os moradores da região há anos lutam pela instalação do Território de Interesse da Cultura e da Paisagem Jaraguá-Perus-Anhanguera (TICP-JPA), e que a vinda do incinerador será um grande retrocesso. Outro projeto que vem sendo feito em conjunto com escolas é o do Cinturão Verde Noroeste, iniciativa que será impactada negativamente com o incinerador.
EM LUTA PERMANENTE

Durante a entrevista, Márcio recordou o histórico de lutas da população de Perus contra a degradação ambiental e os consequentes riscos à saúde da comunidade local: na década de 1970, contra as emissões tóxicas da fábrica de cimento Portland; depois, pela desativação do lixão de Perus (atual Aterro Sanitário Bandeirantes); e nos anos 2000, contra a instalação de um novo lixão, no movimento que se tornou nacionalmente conhecido como “Lixão+ 1 Não!”.
Em 29 de novembro, às 15h, no salão da Paróquia São José de Perus (Rua João Jacinto de Mendonça, 134, Jardim do Russo), o movimento “Incinerador de Lixo em Perus, não!” realizará mais uma reunião de mobilização contra o projeto. O movimento tem exigido e reivindicado os seguintes esclarecimentos:
– Consulta pública junto à população local, de modo que a Prefeitura e a concessionária Loga expliquem de maneira transparente seus objetivos;
– Implantação das metas e objetivos do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos de São Paulo (PGIRS), que não avançaram de maneira consistente e não incluíram a instalação de incineradores. Trazendo iniciativas para instalação de unidades de compostagem e correto recolhimento de materiais recicláveis, considerando o aporte para instalação de Cooperativas de Reciclagem;
– Atenção da CETESB para a reprovação do empreendimento denominado Unidade de Recuperação Energética (URE) Bandeirantes, diante de todos os problemas relacionados à saúde pública e ao meio ambiente.
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