Gilliam Nauman Iqbal: ‘Uma das formas de extermínio do povo palestino é alvejar a mulher’
O programa Manas e Manhãs, apresentado por Simone Preciozo na rádio comunitária Cantareira FM às sextas-feiras, das 10h às 12h, tem feito ressoar as vozes a favor da causa do povo palestino, sufocado pelas forças opressoras de Israel, e alertado o quanto este cenário não é uma realidade distante das periferias do Brasil.
Na edição de 12 de setembro, a entrevistada foi a historiadora e jornalista Gilliam Nauman Iqbal, brasileira, muçulmana e ativista da causa palestina. Ela vive em São Luís, no Maranhão, e desde 2018 tem buscado se inteirar sobre as lutas dos palestinos, estudado a questão e feito militância digital, especialmente a partir do Núcleo Razan al Najjar, que mantém o portal de mesmo nome https://nucleo.razan-al-najjar.org/, com notícias atualizadas diariamente sobre a dinâmica geopolítica do Oriente Médio, e, também, do cenário do Brasil, além de ser espaço para manifestações culturais e artísticas em favor do povo palestino.
“Tentamos resistir no meio digital através do jornalismo, da informação, mas também temos poemas de resistência, charges. Todo aquele que tem uma forma de se manifestar através de sua arte, de sua cultura, tem espaço aberto no nosso portal, no nosso movimento”, assegurou.
O PAPEL DA MULHER PALESTINA

Gilliam recordou que o Islã só se disseminou pelo mundo a partir de uma mulher, Khadija, comerciante e dona de caravanas, que foi a primeira pessoa a acreditar na mensagem do profeta Maomé. “Foi ela quem deu a logística material para que o Islã fosse difundido no mundo”, o que destaca o papel da mulher no Islã, garantindo-lhes, já bem antes do Ocidente, direitos e o poder de participação nas decisões da sociedade.
“O Islã é mais do que uma religião, é um código de vida, porque ele versa sobre todos os aspectos da existência humana: o social, a relação com o próprio corpo, com o espiritual, com o meio ambiente, a sociedade e as questões jurídicas”, explicou.
Gilliam ponderou que isso não evitou que ao longo da história as mulheres muçulmanas fossem subjugadas e sofressem preconceitos, particularmente no mundo ocidental, especialmente as negras e periféricas: “Eu, enquanto mulher branca, tive dificuldades por ser muçulmana, mas sei que as dificuldades que enfrentei e enfrento são menores do que as de outras manas que trazem estes elementos na sua existência, que sofrem mais preconceito”.
Em complemento à fala da entrevistada, Simone Preciozo destacou que no mundo patriarcal o sofrimento da mulher independe da religião que tenha: “O que se sofre como mulher é porque se é mulher, sempre se impõe esse desafio maior”.
Gilliam observou que embora todo o povo da Palestina sofra com o julgo do Ocidente e as tentativas de dominação, “é impossível não perceber que as maiores vítimas deste genocídio tenham o rosto de mulher e crianças. São elas as maiores portadoras da dor, do luto, dos traumas, da fome. Ao mesmo tempo, porém, a mulher carrega a responsabilidade de manter viva a esperança, pois a perpetuação do povo palestino depende das mulheres”, afirmou. “Por isso, uma das formas de extermínio do povo palestino é alvejar a mulher, para colocar fim à possibilidade de que nasçam mais palestinos”, comentou.
A jornalista recordou também que historicamente as mulheres em Gaza sofrem com violência obstétrica, falta de atendimento pré-natal na gravidez e ficam desnutridas ao longo da gestação: “Tudo isso é estratégia do sistema sionista para matar os palestinos desde o ventre da sua mãe”.
ATRAIR OS JOVENS EM MEIO À ‘GUERRA DE NARRATIVAS’

Gilliam lamentou que no Brasil muitas igrejas evangélicas estejam apresentando um discurso equivocado e sem compromisso com a verdade sobre o que acontece na Palestina: “O que vigora nestes púlpitos é a ideia de uma guerra santa, de que aqueles colonizadores europeus são o Israel da Bíblia, mas nós sabemos que não são; eles são um Estado inventado em 1948 para atender uma colonização europeia e norte-americana, tendo recebido 57% do território de Gaza. São invasores, colonizadores”.
Diante da proliferação das falsas narrativas, grupos pró-palestina têm buscado atrair os jovens, mostrando o que realmente acontece em Gaza, especialmente por meio das mídias sociais e portais noticiosos. Entretanto, há um longo caminho a ser trilhado e que também envolve o processo educativo das novas gerações, ainda que seja uma luta desigual, dado o fato de que o setor evangélico predomina nas escolas particulares e tem apresentado recortes errados sobre a realidade palestina, seja por meio dos educadores, seja em materiais didáticos, “sempre atrelando o Islã à prática do terrorismo”.
“A forma de desconstrução dessas falsas ideias junto aos jovens é, certamente, pelo meio digital, pois é a forma mais massiva entre eles. Entretanto, também na sala de aula esse debate deveria ter mais força”.
Gilliam tem esperança em mudanças e se diz feliz ao ver as manifestações pró-palestina em diferentes partes do mundo, “com jovens lutando por uma causa que é para o bem de toda a humanidade”.
Ela também enalteceu o protagonismo dos jovens palestinos em difundir informações verdadeiras sobre o que vem ocorrendo em Gaza: “Esse jovens são pessoas que têm essa consciência, essa coisa da luta na ancestralidade e tem se movimentado bastante pela causa palestina”, incluindo influencers palestinos que têm ajudado os demais jovens a entender, de modo fácil, o que ocorre na Palestina e “descontruindo essa ideia de que o jovem árabe é terrorista. A juventude árabe palestina é extremamente atuante, extremamente consciente da sua ancestralidade”.
Simone afirmou ser muito importante que os jovens brasileiros saibam desta resistência palestina, de modo especial os da periferia que sofrem opressão dos aparatos de segurança pública: “Aprender a resistir com o povo palestino é muito didático para nosso povo”.
OPRESSÃO: O INIMIGO A SER COMBATIDO

Gilliam destacou que todas as pessoas precisam perceber que há um inimigo comum a ser combatido: a opressão.
“A opressão existe pra mim, que sou mulher, e também para o homem. O patriarcado não vitimiza somente as mulheres, vitimiza os homens, porque tira deles o sentido de humanidade, a capacidade de chorar, de ser afetivo, de ser parceiro da mulher, de ser bom filho. O patriarcado coloca o homem na condição de carrasco, desumaniza os homens, e eles estão instrumentalizados para obedecer a esta opressão”, lamenta.
Gilliam assegura que quando as pessoas percebem que a opressão é um inimigo comum, é possível que se iniciem diálogos entre os que têm dores divergentes. “A periferia, por exemplo, tem qual conexão com a luta da Palestina? Temos na periferia uma população que sofre extermínio por parte da Polícia, as armas que matam o povo palestino matam o jovem da periferia – o mesmo modus operandi, abordagem, de todo este sistema opressivo que se faz dentro das comunidades é importado deste sistema sionista, então há vários aspectos para entendermos que as lutas precisam convergir para um único ponto”, ressaltou, alertando, porém, que o sistema opressor busca, justamente, fazer com que as lutas não se comuniquem.
Abaixo, veja a íntegra da live de 12 de setembro do Manas e Manhãs
