Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo é entrevistado na Cantareira FM

A frente da Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo desde dezembro do ano passado, o advogado Mauro Caseri visitou a rádio comunitária Cantareira FM em 4 de junho e foi entrevistado pelos comunicadores Juçara Terezinha, Adão Alves e Simone Preciozo no programa “Comunidade em Foco”.
Caseri recordou a própria trajetória de vida, sendo filho de mãe operária e desde a adolescência envolto em lutas sociais. “Desde sempre, meus irmãos e eu fomos percebendo a diferença entre nós e as crianças que tinham uma família mais bem estruturada. Eu fui me incomodando com as injustiças, até porque eu era vítima delas, e com o tempo me tornei um ativista em direitos humanos”, recordou.
O QUE FAZ A OUVIDORIA?
Criada por decreto em 1º de janeiro de 1995, pelo então governador Mário Covas, e regulamentada em 20 de junho de 1997, a Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo recebe denúncias inerentes a questões que envolvam a Polícia Militar (PM), a Polícia Civil e a Polícia Científica (também chamada de Polícia Técnica), processa tais denúncias e, por fim, as encaminha às corregedorias das polícias.
“Nosso papel é ouvir da população denúncias, reclamações e elogios destas três polícias e encaminhar para os órgãos competentes. Além da população, também ouvimos os servidores dessas polícias, acolhendo reclamações internas que eles façam, como de escala de trabalho e remanejamento”, detalhou Caseri, destacando que como a PM tem maior presença nos territórios e atuação ostensiva, o número de denúncias sobre essa polícia é bem maior que a das outras.
“A gente recebe denúncia de atendimentos, de maus-tratos no momento da abordagem e de disparo de arma de fogo que redunda em homicídio, a chamada Morte Decorrente de Intervenção Policial (MDIP)”, complementou.

CÂMERAS CORPORAIS
Mauro Caseri comentou que em 2024, em razão das operações Escudo e Verão, realizadas no litoral paulista, o número de MDIPs foi acima do esperado, e que este ano a tendência é de mais uma alta nos números, com base nos dados preliminares do primeiro semestre.
“Isso nos preocupa muito. Tínhamos vivido uma redução das MDIPs com a implantação das câmeras corporais. Depois, o atual governador, já na sua campanha, se dizia contrário às câmeras, depois ele mudou de posição e defende as câmeras”, lembrou Caseri, ponderando que as atuais câmeras não gravam 100% das imagens como as inicialmente implementadas.
Atualmente, as câmeras são acionadas automaticamente pelo Centro de Operações da Polícia Militar (Copom) apenas em grandes operações. Nos demais casos, o acionamento compete ao policial. Diante disso, Caseri defende que a sociedade debata qual seria a penalidade a ser imposta ao policial que fizer mau uso da câmera corporal.
Em seu entender, o uso das câmeras assegura que os protocolos de abordagem policial sejam seguidos, trazendo segurança tanto ao policial quanto ao cidadão que é abordado, já que dá visibilidade aos limites de ação de ambos: “Estamos falando de prova e de Direito, e a imagem é muito importante nesse sentido”.
SOBRE EXAGEROS NA ABORDAGEM POLICIAL

Adão Alves perguntou a Caseri se a abordagem policial tende a ser mais enérgica e desrespeitosa contra pessoas negras, pobres e periféricas.
“O que posso dizer é que tem havido um desrespeito ao protocolo nas ações. Tenho a convicção de que toda vez que ocorre uma MDIP é porque houve o início de uma abordagem truculenta, com falta de respeito ao protocolo. Se a abordagem respeita protocolo, ela não deve mudar em relação ao local onde é realizada, tampouco a quem é o abordado. Não deveria haver distinção. E eu sou obrigado a concordar com o senhor que na periferia ocorre uma abordagem quem é diferente da feita na região central”, disse o Ouvidor das Polícias, lamentando que algumas autoridades públicas já tenham se manifestado que o policial deva ter comportamentos diferentes ao abordar alguém na periferia da cidade ou em um bairro nobre.
Para Caseri, outro problema é que muitas das vezes o policial militar vai para a abordagem tendo apenas como instrumento o revólver, que deveria ser o último a ser usado, havendo antes duas alternativas não letais – bastão-tonfa e gás de pimenta – e uma de baixo índice de letalidade – a pistola taser: “Deveria haver um protocolo de ordem a usar: primeiro a tonfa, depois o gás de pimenta, depois o taser e por último, em uma situação de extrema necessidade, a arma de fogo”.
“Como sociedade, temos que exigir que haja equipamentos e protocolos que minimizem, que mitiguem, o que vem acontecendo. Também temos que lutar para que o policial tenha os quatro equipamentos e que se decidir usar o último equipamento [a arma de fogo], ele responda por aquilo, caso tenha deixado de cumprir um protocolo”, insistiu o ouvidor das policias.
FORMAÇÃO DOS POLICIAIS E REMUNERAÇÃO
Juçara Terezinha e Simone Preciozo questionaram Caseri a respeito de como tem se dado a formação humanística dos policiais, a fim de que haja menos abordagens desrespeitosas aos direitos do cidadão.
O ouvidor das polícias disse já ter ouvido do comando da PM que a carga horária de formação humanística da polícia paulista é a que contempla mais conteúdos de direitos humanos em todo o Brasil. “Sendo assim, é preciso identificar o que acontece, saber por que o policial que sai da academia e vai para a rua passa por um processo de ‘desumanização’. O que é preciso ainda? Uma formação continuada? Avaliações permanentes sobre o que está acontecendo?”, indagou.
Caseri comentou que há grande número de policiais que são afastados ou exonerados de suas funções por comportamentos indevidos. No entanto, ele lembra que como a extensão de jornadas, ao que chamou de “bico oficializado dos policiais”, as 36 horas de descanso após uma jornada de 12 horas, acabam sendo reduzidas, pois eles trabalham mais oito horas no período do descanso.
“O policial precisa estar sempre pronto a uma situação de conflito, de stress, e fica pior ainda quando eu sobrecarrego a jornada dessa pessoa que vai para uma situação de stress”, disse, lembrando ainda que entre as 27 unidades da federação, São Paulo está em 22º lugar no ranking do salário-base dos policiais, o que faz com que muitos optem por estender a jornada para conseguir maiores ganhos salariais.
Caseri falou ainda sobre a necessidade de aprimoramento das estruturas da Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo, que desde sua criação conta com o ouvidor e mais 14 servidores: “Temos uma defasagem de trabalhadores, pois o número de ocorrências aumentou e a gente continua com o mesmo número de servidores. Assim, precisaríamos de um aporte”.
COMO ACIONAR A OUVIDORIA?

A ida de Mauro Caseri à rádio comunitária Cantareira FM é parte da mobilização que ele tem feito para que a ouvidoria seja mais conhecida pela população.
Qualquer pessoa pode fazer uma denúncia sobre a atuação ou omissão policial pelo telefone 0800-017-70-70 (de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h) ou pelo e-mail ouvidoriadapolicia@sp.gov.br.
A pessoa pode fazer a denúncia em sigilo, o que é importante para se constar o volume de casos que têm ocorrido, mas em algumas situações a denúncia só é levada adiante se houver a identificação do denunciante: “Quando a pessoa denuncia que foi vítima de racismo, de agressão, por exemplo, não conseguimos dar continuidade nesta denúncia se não houver a menção de quem foi a vítima”.
Ao final de cada semestre, a Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo faz relatórios e os encaminha para a Secretaria de Segurança Pública, incluindo sugestões para melhorias. “O nosso relatório mais atual aponta que a imensa maioria das MDIPS são contra jovens, negros, periféricos”, lamentou.
“População, procurem a ouvidoria. Nem sempre teremos uma resposta ou solução para o problema, mas apontar a existência de um problema é o princípio da busca de uma solução. A denúncia é muito importante, pois ela corrige comportamento”, pediu por fim.
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