As músicas e reflexões de Haroldo Oliveira reverberam no ‘Meu Caro Amigo’

Era só mais uma viagem de metrô, mas no vai-e-vem da composição, um rapaz e uma moça, com seu guarda-chuva vermelho, se paqueravam, mas não era olho no olho: a troca de olhares ocorria pelo reflexo dos vidros do vagão. Tempos depois, ela desembarcou. Ele foi atrás, mas parou na escada rolante e a viu subir, subir, subir… até perdê-la do olhar.
A moça do guarda-chuva vermelho, Entrou com sapato de boneca no metrô. Ela é meio esquisita, Meio desengonçada, Mas tinha algo mais que encantou. […] Me trata com carinho sempre, Me chama que eu vou. […] Ela sumiu na plataforma, Nem o guarda-chuva ficou. |
Assim surgiu “Achados e perdidos”, uma das canções que Haroldo Oliveira cantou ao vivo na edição de 4 de maio do programa “Meu Caro Amigo”, sempre apresentado por Gilberto Cruz, aos domingos, das 11h às 12h, na rádio comunitária Cantareira FM.
UMA VIDA DEDICADA À MÚSICA

Haroldo participou do programa falando diretamente do Zog Studio criação e produção musical, onde este músico, compositor e cantor faz suas próprias composições e abre espaço para as gravações de outros artistas.
Paulistano, Haroldo viveu a maior parte da infância na zona Sul da cidade. Passou a compor ainda na adolescência e, também, a participar de um grupo de teatro na periferia. Eram os anos 70 e 80, época da ditadura militar.
“A gente fazia, acontecia, e foi muito importante para ter uma base, ter uma percepção de música. Algum jovem hoje chega e me diz: ‘Você conhece essa música?’; e muitas vezes, eu respondo: ‘Poxa, eu vivi a época que essa música foi feita”, comentou.
Na casa de seu pai, a música popular brasileira dava o tom dos encontros com os familiares e amigos, e na tevê a programação predileta eram os festivais musicais. O jovem Haroldo viu surgir e brilhar talentos como Elis Regina, Chico Buarque de Holanda, João Bosco, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, entre outros que inspiraram seu estilo musical.
Haroldo até chegou a participar do programa de música Gente Jovem, da TV Cultura, e fez gravações de discos fora do país, como na Suíça.
“Eu gosto muito de música popular brasileira e a vejo em todas as suas nuances, com sua riqueza rítmica e melódica. Também me puxa muito essa questão da música de raiz, e o Brasil tem muito essa coisa de contribuição dos ritmos afro e indígenas. Temos de conhecer as nossas coisas, pois se você não tiver bem na sua aldeia, você não vai ser o rei do mundo”, afirmou.
CRIATIVIDADE E BOM USO DA TECNOLOGIA

A capacidade criativa de Haroldo em compor a partir de diversas temáticas e assuntos do cotidiano é algo que impressiona.
A canção “Alô, Moisés!”, por exemplo, remete aos Dez Mandamentos que Moisés recebeu de Deus, e na arte de Haroldo o provérbio “Não Matarás” se transformou em um verbo a ser conjugado em nome da paz, como ele mesmo cantou ao vivo:
Sonhei que todos os homens se reuniam, Em torno de uma bomba para não matar. Essa bomba, segundo eles, não seria A, B, C ou H E não mataria as pombas, Não feriria o ar, Não apagaria as cores, Não ressecaria o verde do mar. […] Alô, Moisés! Pra sempre se conjugaria o verbo ‘Não matarás’. |
Haroldo comenta que atualmente há um perceptível decréscimo na qualidade da maioria das canções, bem como se tornam cada vez mais seletivos alguns espaços para os artistas. Por outro lado, as novas ferramentas digitais podem ser bem usadas para dar amplitude às coisas que o artista produz.
“Independentemente do artista, a arte se estabelece no sentido de representação da vida, de colocação das coisas que acontecem com as pessoas. Veja as pinturas rupestres de 10 mil anos atrás: está colocado nas paredes o que foi a vida cotidiana daquelas pessoas. Não sei como, mas existiu um cara foi lá e reportou aquilo. E a música chega muito rápido nas pessoas, ela tem um poder de difusão muito grande, um poder de persuasão muito maior”, avaliou.
Até por esse motivo, prosseguiu Haroldo, a produção musical deve ser feita com muito cuidado, também pelo fato de a música ter um padrão vibratório, “ela pode te conduzir a sensações e sentimentos. Se ficar nas mãos de pessoas inescrupulosas, a arte acaba correndo perigo. Assim, é preciso ter cuidado com a tecnologia, saber onde utilizá-la e o porquê, mas é algo maravilhoso, pois otimiza o tempo de coisas que se levaria dias para fazer, e hoje se faz em questão de horas. Porém, é preciso que haja responsabilidade de quem mexe com isso”.
‘ESTAÇÃO LIBERDADE’

Ativista do movimento negro, já tendo participado de marchas pelo Dia da Consciência Negra, Haroldo Oliveira também é autor da música “Estação Liberdade”, que ele cantou ao vivo no “Meu Caro Amigo”.
Liberdade, Foi o que o preto gritou. Quando escapou do carrasco, Por ter confrontado o feitor. Levantou poeira, Na capoeira, Em noite de lua cheia, Pra defender seu amor. O colono não viu isso com bons olhos, Mas teve que fazer justiça, Era o dia do Redentor. E diante dos olhos de São Paulo, padroeiro, Naquele dia de janeiro, O preto se riu do feitor. Depois, girou o tempo e a memória, Chegou o povo de fora, E tudo se modernizou. E a palavra hoje é um grito contido, No peito de um povo oprimido A quem a história negou. E que resiste ao ferro e à corrente, Batendo sobre o dormente Em uma estação de metrô, Liberdade Liberdade Liberdadeeeeeeeee! |
Como mensagem final, Haroldo Oliveira pediu aos ouvintes que se atendem a observar as coisas, busquem compreendê-las de fato, neste tempo de ignorância e de intolerância. “A ignorância de muitos é a esperteza de poucos que controlam e manipulam esta grande massa”, disse, afirmando, porém, ter esperança de que nessa era de interatividade, sejam cada vez mais quebradas as barreiras de distância, sexo, idade, etnia, língua etc.
Assista a íntegra da live de 4 de maio do programa “Meu Caro Amigo”