Um teleférico passou no Morro do Alemão (RJ) e não foi bom. Como seria na Brasilândia?

Atenta aos impactos das políticas públicas nos territórios do Distrito da Brasilândia, a rádio comunitária Cantareira FM continua a debater a viabilização e os possíveis impactos da instalação de um teleférico na região, ideia em discussão na atual gestão do prefeito Ricardo Nunes, para ligar a futura estação Brasilândia da Linha 6 do Metrô até o CEU Paz, no alto do Jardim Damasceno, tendo uma parada intermediária na Avenida Cantídio Sampaio, uma das mais congestionadas da zona Noroeste de São Paulo.

Conforme o projeto da Prefeitura, o teleférico da Brasilândia deve ter uma extensão de 4,6km, com custo estimado em R$ 2,84 bilhões. A discussão que se coloca agora é se o projeto é uma prioridade para a comunidade local e se efetivamente resolverá o problema do transporte de massa.

Para falar sobre o assunto, o sociólogo Alan Brum Pinheiro foi o convidado da edição de 30 de abril do programa Comunidade em Foco, apresentado pelos comunicadores Juçara Terezinha e Adão Alves, com a participação de Jabes Campos, do Instituto Saci.

Alan Brum, que atua em projetos para o fomento e desenvolvimento de grupos periféricos em diferentes cidades, relatou uma experiência que tem acompanhado de perto: a instalação do teleférico no Morro do Alemão, no Rio de Janeiro, em 2012, e a paralisação deste sistema de transporte já em 2016, 15 dias após o término da Olimpíada na capital fluminense. Após quase 9 anos parado por falta de peças e de manutenção, agora o governo do estado do Rio de Janeiro planeja a reabertura do teleférico e de suas estações.

O TELEFÉRICO É PRIORIDADE?

No Morro do Alemão, Alan Brum atua no Instituto Raízes em Movimento, especificamente na coordenação do Centro de Pesquisa, Documentação e Memória do Complexo do Alemão (CPDOCA). Ele ressaltou que o ponto de partida de toda a reflexão é o de considerar que cada favela/comunidade tem sua cultura própria, construída pela população a partir de um processo histórico de sofrer com a negação de direitos, e que só a partir da década de 1980, o poder público passou a pensar políticas estruturantes para as favelas, como as de saneamento básico e luz elétrica.

Mesmo assim, segundo ele, ainda hoje as questões de saneamento básico permanecem como o principal problema das favelas no Rio de Janeiro, de modo que quando o poder público já chegou com o projeto do teleférico pronto – sem consulta à comunidade – começaram os embates, pois aquela não era uma prioridade perante os problemas do Morro do Alemão.

“Dentro do território periférico, temos de trazer os elementos da prioridade, no sentido do que se chegue à qualidade de vida a partir do ponto de vista do morador. Não dá mais para esses espaços serem definidos com políticas públicas pensadas em gabinete. É preciso pensá-las a partir do próprio território”, pontuou.

JÁ DEU CERTO EM OUTRO LUGAR

Alan Brum destacou que uma segunda camada a ser levada em conta nas discussões de algum projeto é se onde ele já foi instalado resultou em melhorias efetivas para a comunidade local.

“No caso do teleférico, é preciso pensar, efetivamente, se a forma e o projeto dará conta de ser um transporte de massa, porque no Complexo do Alemão, por exemplo, não foi o que aconteceu”, comentou, destacando que devido à topografia das comunidades no Rio de Janeiro e seu histórico de formação, o transporte de massa que nelas funciona é o feito por motos ou peruas, e que estes agentes da mobilidade não podem ser desconsiderados na instalação de mais um modal.

“O teleférico é um modal que precisa estar integrado aos outros modais da cidade. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, não há uma integração entre os modais – trem, metrô e ônibus. O teleférico do Complexo do Alemão é ligado à linha férrea, mas não atende a circulação na cidade, pois para no centro da cidade, não vai até a zona Sul, que é a área nobre do Rio onde há muita prestação de serviço feita por trabalhadores que são moradores de favelas”, lembrou Alan.

O sociólogo destacou, ainda, que o teleférico do Morro do Alemão foi feito tendo como referência o de Medellín, na Colômbia, “mas lá, o teleférico teve integração, alimentação das estações, se considerou a correlação da cidade, o que não se pensou ao se instalar o teleférico no Complexo do Alemão nem no Morro da Providência, onde também há o teleférico aqui no Rio”.

VAI SERVIR, DE FATO, À POPULAÇÃO?

Uma outra pergunta a ser respondida antes da instalação do teleférico na Brasilândia é se este modal efetivamente será útil para a população no dia a dia.

“Aqui no Complexo do Alemão, todas as estações ficam no topo no morro, assim quem mora da metade pra baixo dos morros não acessa o teleférico, pois precisaria subir o morro. E quem sobe e desce os morros aqui no Rio de Janeiro são as kombis [peruas] e as motos. Por isso, a nossa proposta agora é a de fortalecer os trabalhadores da mobilidade dos morros para que possam formalizar seu trabalho, renovar sua frota e, assim, ser aqueles que efetivamente levem as pessoas até as estações do teleférico”.

SOLUÇÕES COM O POVO E NÃO DE MARKETING

“O poder público tem de parar de achar que tem a solução sozinho do processo. A população tem que participar ativamente desse trabalho. Os elementos do funcionamento, da dinâmica da favela, precisam entrar no projeto de mobilidade das favelas”, reforçou, Alan, destacando que deve haver intersetorialidade das questões de mobilidade, geração de renda e outros aspectos das favelas, para que se fortaleça o tecido social das comunidades.

O sociólogo lembrou, no entanto, que devido à dinâmica de vida das pessoas nas comunidades nem todas conseguem participar dos processos de discussão, por isso é importante haver entidades e grupos que se envolvam no debate, conhecendo a realidade e alinhando metas de interesse do coletivo.

Isso é ainda mais importante para que a verdadeira conscientização prevaleça sobre o imaginário de que determinada política pública irá mudar para melhor, como que por mágica, a realidade de uma comunidade periférica.

“Essa questão de imagem às vezes incide na população da própria favela, na questão da autoestima. É aquela coisa ‘agora eu moro no bairro do teleférico!’, ‘lá no Morro do Alemão tem um teleférico!’; ‘minha favela agora é uma outra favela’, ‘minha favela foi valorizada!’. E essas narrativas acabam influenciando os moradores que, em um primeiro momento batem palmas, mas sem saber direito as consequências”, prosseguiu.

EFICIÊNCIA E CUSTO-BENEFÍCIO

Alan comentou, ainda, que a construção do teleférico no Complexo do Alemão teve uma forte narrativa construída pelo poder público com interesses eleitoreiros.

“A imagem de um teleférico em uma favela traz uma narrativa de mobilidade de massa e de possibilidade de geração de renda a partir do turismo. E essas foram narrativas muito utilizadas no Complexo do Alemão”, mas na prática, a instalação do teleférico “não se traduziu em benefício da própria comunidade, nem como transporte de massa, nem como um ativo para desenvolvimento econômico na área do turismo. O que ocorreu no Morro do Alemão foi a instalação de um transporte ineficiente”.

Alan destacou, ainda, que se efetivamente houver a instalação do teleférico na Brasilândia uma das preocupações é que haja estações nos pontos de grande fluxo de moradores, pois do contrário o projeto será aparentemente belo para o restante da cidade, mas sem funcionalidade para a comunidade local.

Outro preocupação é de que não seja apenas a política de um governo, que se acabará ao fim de um mandato, mas que se torne uma política de Estado, com dotação orçamentária permanente, para sua viabilidade técnica e econômica.

“A questão a ser posta é de custo-benefício. Quantos moradores um teleférico vai atender diretamente? Qual foi o valor investido? Quantas pessoas passaram a ser atendidas efetivamente como transporte de massa? Essas são as perguntas a serem feitas. Vamos para o debate, para discussões qualificadas”, insistiu Alan.

PREOCUPAÇÕES E PROCESSO DE DEBATE

Juçara Teresinha também externou a preocupação sobre o valor efetivo que custará o teleférico, não só com a instalação, mas para sua manutenção. Ela destacou, também, que na parte mais alta do Jardim Damasceno – onde a Prefeitura planeja instalar a estação final do teleférico – não há uma grande massa de população como nas partes baixas do bairro, mas é justamente esta a que mais precisa de mais opções de transporte: “Se não for pensado um sistema integrado, será um tiro no pé. O teleférico vai funcionar só alguns meses, pois terá problemas de demanda e circulação e não vai atender a grande massa”.

A comunicadora lembrou, ainda, que o Distrito da Brasilândia tem outras questões mais urgentes a tratar como nas áreas de habitação e saneamento básico, para os quais os recursos deveriam ser priorizados.

Também Adão Alves comentou que a demanda de público para o teleférico – nos moldes do projeto atual – ficará aquém da necessidade, razão pela qual ele defende que “seria muito mais fácil e útil criar uma via rápida, com faixa exclusiva para ônibus, ligando o Jardim Damasceno à futura estação Brasilândia. Uma via facilitando esse acesso seria muito mais barato e muito mais efetivo”.

Jabes Campos, por sua vez, lembrou que os grupos e instituições estão fazendo esse debate não por ser necessariamente contra o teleférico: “O que queremos é discutir e ouvir as experiências do que significa se apresentar um projeto desses para uma região tão carente quanto a nossa, com diversas questões a ser resolvidas, na qual temos córregos que precisam ser canalizados. Não temos um projeto de mobilidade viária, e de repente vem este projeto do nada, sem uma discussão objetiva com a comunidade”.

Por fim, Alan Brum ressaltou que somente ter o teleférico não irá resolver os problemas de mobilidade. “Ele pode ser um elemento constituinte de uma cadeia, de uma rede de interações já pré-existentes ou a ser construída, mas o debate a ser feito é de que forma o teleférico é um transporte que efetivamente vai contribuir para melhorar a qualidade de vida. Assim, é preciso discutir com a comunidade: Quais são os pontos de alimentação deste teleférico [como as pessoas chegarão até as estações]? Como se fará para que atenda uma parcela significativa do território? As estações estarão nos locais mais adequados, aqueles com maiores fluxo de pessoas? O acesso ao transporte público neste território é eficiente ou será preciso abrir ou alargar novas vias? Será preciso inserir linhas de ônibus complementares? Ou seja, deve haver toda uma discussão para se pensar a mobilidade, com o teleférico sendo um elemento dessa composição”, destacou, lembrando, porém, que todo esse debate deve ser precedido da verificação se, de fato, instalar um teleférico é a maior necessidade da comunidade neste momento.

Abaixo, assista a íntegra da live de 30 de abril do programa Comunidade em Foco