Mais uma mãe brasileira no cárcere

por Simone Preciozo

A recente exposição do caso da moça de Paulínia (SP) – cabeleireira, branca, mãe de dois meninos, casada – chamou a atenção do público em todos os meios de comunicação no país. Uma carta de próprio punho, endereçada ao ministro Alexandre de Moraes trazia a expressão “meu coração batendo fora do peito” usada pela autora para definir o amor que sente pelos filhos. Não houve como não me sensibilizar com a tragédia que assolou aquela família.

Não é por simpatizar com a escolha ideológica em questão ou ser influenciada pela comoção geral, mas por não ser favorável ao encarceramento. Então precisei lidar com uma contradição.

Acontece que somos um país que encarcera um número muito grande de pessoas, 850.000 (70% negros) em 2024. Dentre essas pessoas, 46.000 são mulheres[1].

Segundo o documento “Política Mães em Cárcere 2024”, de autoria da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em fevereiro de 2018, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal determinou que todas as mulheres que não tivessem cometido crimes com violência ou grave ameaça, nem crimes contra seus descendentes, e que não estivessem em outras situações excepcionais, seriam beneficiadas pelo Habeas Corpus Coletivo nº 143.641, proposto pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu) em maio de 2017. O HC foi solicitado em favor de todas as presas provisórias ou em cumprimento de medida socioeducativa que estivessem gestantes, puérperas, ou fossem mães de crianças de até 12 anos, bem como em benefício dessas crianças.

A moça em questão não poderia ser beneficiada pela condição do cometimento do crime. Mas, por que se repetiu tantas vezes nos meios de comunicação que ela só teria pichado patrimônio público com batom? Qual o agravamento que justificasse não enquadrá-la dentre as beneficiárias do Habeas Corpus coletivo?

Fotos: Agência Brasil

Após ouvir a entrevista “Serrano diz Bolsonaro réu é ‘reconhecimento do crime de tentar golpe’ e rebate Fux”, concedida pelo jurista Pedro Serrano ao canal da Revista Fórum em 29/03/25[2], pude constatar que quem participa de tentativa de golpe de Estado deve ser responsabilizado totalmente pelo ato em si e pelas consequências. Há que se considerar uma associação criminosa que envolveu todos os participantes desta que foi a tentativa de abolição violenta do estado de direito.

A mãe que protagonizou inúmeras matérias e controvérsias passou a integrar um universo de mulheres vulnerabilizadas – pretas e pardas na maioria das vezes –, que chegam ao cárcere por motivos diversos, quase sempre relacionados à situação de pobreza extrema. Passam longos anos à espera de audiência de custódia e julgamento.

As pesquisas mostram que os filhos de mulheres presas, na maioria das vezes, seguem em estado de abandono ou quase isso. Muitas das mães que não se enquadram no benefício do Habeas Corpus Coletivo nº 143.641 são gestantes ou lactantes. Quase sempre sua sentença ou causa de encarceramento está relacionada ao tráfico de entorpecentes, considerado crime hediondo, cuja diferença entre a quantidade que determina se uso ou tráfico fica a cargo de quem dá voz de prisão.

Existem também as que furtam itens do supermercado e são presas por isso. Sabemos.

A realidade que se coloca então é a de um problema social que afeta famílias brasileiras. Oxalá os parlamentares se debrucem a partir deste caso emblemático para desenvolverem um olhar mais cuidadoso, em especial formulando políticas públicas que atendam aos filhos das mulheres encarceradas.

Foi proferido o discurso do ministro Fux quando votou na aceitação da denúncia contra Jair Bolsonaro, em 26 de março de 2025: “Mas justiça não é algo que se aprende, é algo que se sente. Os antigos já diziam que a justiça era aquele sentimento do juiz. A carta das Sete Partidas dizia: ‘Os juízes devem ser homens sensíveis, saber direito, se possível’. Então, essa é uma realidade da nossa profissão”.  Apesar de não concordar com o que o Ministro postulou, confesso que a partir de sua fala controversa, a minha esperança é que todas as mulheres que fazem parte do universo de encarcerados no Brasil possam contar com a sensibilidade dos juízes. E não somente aquela que se tornou símbolo de uma narrativa que tenta justificar a tentativa de golpe de estado nas ações isoladas.

Cuidando melhor de nossas mulheres, estaremos cuidando das crianças, maiores prejudicadas na prisão de suas mães.


[1] Fonte:Radioagência: https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/direitos-humanos/audio/2024-07/estudo-70-da-populacao-carceraria-no-brasil-e-negra#:~:text=Dos%20mais%20de%20850%20mil,com%20a%20aposta%20da%20ressocializa%C3%A7%C3%A3o.

[2] https://www.youtube.com/watch?v=DxI2JAhVv7c